quinta-feira, outubro 30, 2008

(des)mamar um pais II

Diz-se que a sorte foge. Tem pernas mais compridas que a vida de muita gente. Será possível? Alguns homens dizem que sim. Um paradoxo ate mesmo para quem do azar esquiva-se.
Nunca perguntei sobre o pêndulo que segura a sorte, o tempo para esse questionamento sempre dependeu do lugar que empresto as perguntas do quotidiano. Manuel, nome de um moçambicano qualquer, porque nunca contou na sorte. Tem pernas mais curtas, um bebé com tamanho de adulto. Afinal a sorte mede-se pelos saltos exagerados de quem acredita conhecer o progresso.
Para Manuel a sorte diz tudo, comanda ate coisas inexplicáveis. Tem olhos que trazem o futuro para bem mais perto do lugar mais perfeito do quintal: o cajueiro que sem sorte já não faz sombra.
Antigamente era a castanha que crescia por fora do fruto, hoje é o Manuel que faz a sua vida fora do seu quintal. Nas tardes o Manuel senta-se à beira da estrada, empoeirado – em parte porque a sorte nestes dias só faz chover poeira. Manuel diz que a terra deixou de ressuscitar, toda a sorte que a terra coleccionou durante anos foi sobreviver para outro mundo. Evaporou-se.
O Manuel aprendeu no secretismo dos dias passados a beira da estrada a fala dos estranhos. Eu sou esse estranho da sorte. Cheguei aqui para perseguir a sorte que não se encontra no progresso de uma cidade.
Manuel não entende essa sorte que leva-nos para lugares despidos de sorte. Nos jovens temos uma bússola desparafusada, alertou-me noutro dia.
Expliquei ao Manuel de que sou um fruto suspenso debaixo de um ramo seco: Filho do vento. O vento é a minha bússola, quebrado o ramo, o meu destino depende da forca do vento. Posso cair em quintais de outra sorte. Riu-se.

segunda-feira, agosto 11, 2008

A pegada de uma simpatica ideia II


Aprendemos que falar do meio rural deve ser na dimensão de um lugar longínquo. Neste momento sou um jovem rural, não nasci nestes campos verdes ou nesta pastagem de vacas, mas fui empurrado pelo cruzamento de coisas complexas, somos muitos nesta condição. O rural para nós (filhos da madeira zinco), é esse lugar ausente de uma cidade, onde a vaca e o verde têm uma relação perversa com o homem. Durante os efêmeros anos da adolescência cresci embalado no mito de que onde há vacas e arvores de fruta não há lugar para uma relação obsessiva com a fome ou uma privação emocional. Os campos verdes representavam uma superação de ícones do necessitado cidadão urbano, a necessidade de estar saciado e protegido contra flutuações do metical. A camponesa era em si um símbolo de abundancia, o seu pe descalço, com a enxada carregada no ombro representava aquilo que numa cidade não encontrávamos: a elegância de uma aturada tarefa de arrumador de terra. Pergunto-me às vezes o que terá levado uma geração de filhos de camponeses trocarem uma vaca leiteira no campo por uma red Bull num supermercado? De trocarem a vida de arrumador de terra em Manjacaze para arrumador de carros na baixa da cidade?.
Parece que o cerne de tudo passou a ser para muitos a defesa de um bloco ou de uma viga, ignorando a estaca, que em outras palavras seria comparar o agora com a fase anterior da nossa condição de fazedores de historia. Para isso basta ignorar o mundo rural que alimenta milhões de braços. Os africanos têm uma historia perversa com o seu passado, o futuro chegou com a nossa descoberta dizem os europeus e não temos a mesma coragem para dizer que o futuro já tinha chegado faz séculos “apartir” do momento onde assumimos a nossa condição de seres sociais e produtivos. E nesta condição de falta de coragem perguntamos o que terá desaparecido na elegância de um pe descalço? A narrativa e o humor que caracterizam as estórias contadas à volta da fogueira podem ser substituídos na sua maioria pela telenovela?

Alguns mais esclarecidos dirão que estamos perante o fenômeno da globalização, ignorando que a globalização produz-se no processo de negação de fenômenos de identidade perversa. Porque ai residem às relações do social. A uniformização de relações econômicas e sociais não resulta de forma extrema de um fenômeno a que chamamos globalização, existe um lugar mais exigente dentro da nossa condição humana que forçosamente obriga-nos a codificar nossas relações sociais e econômicas de uma forma critica por forma a garantir a nossa própria existência. O rural representa isso, esse lugar onde de uma forma critica conseguiu resistir a esta uniformização de relações sociais e econômicas de algumas pessoas.
O campo muda em paralelo com a cidade, por isso o discurso da globalização revela-se contraproducente quando queremos discutir o desenvolvimento rural, porque partimos de um principio de que o campo esta atrasado, o rural só existe porque o desenvolvimento deve chegar La, ignorando o lugar critico que o campo poder ter para compreender os fenômenos de uma identidade perversa. Quando escutamos a narrativa dos que do campo vivem, a colheita pode marcar o inicio de um novo ciclo de vida que para muitos não reflecte nada porque ignora o click no "Save as". A nossa revolução verde é isso. Amar o campo pela esperteza de um bom amante urbano onde importa a troca de um mito por uma sonda de sentidos apurados: a troca do mito do sumo de “Canhu” para aumentar a virilidade por uma red Bull.

terça-feira, julho 15, 2008

A pegada de uma simpatica ideia I

A idéia de que existimos dentro de uma verdade sobre a nossa origem empurra-nos para muitas perguntas. A maneira como somos tratados pelos Sul-Africanos nos últimos meses cai bem nesta idéia sobre a nossa origem. A palavra xenofobia conseguiu aglutinar toda esta discussão sobre a origem, não da xenofobia em si como um conceito, mas a origem do nosso ontem. Se ontem éramos bantus, súbdito de uma historia unificadora, hoje quem somos? Porque o ontem conta, muitos estão indignados com a atitude dos Sul- africanos, admira-nos a ousadia de um povo de ontem que vive o hoje sem remorsos. Isso mexe connosco.

Mas porque é que nos moçambicanos pensamos que o ontem devia ser como hoje nas nossas relações de vizinhança? Também não sei. Os sul africanos devem ter descoberto uma outra verdade, da sua reconciliação com o mundo que nunca saiu deles. O mundo deles foi uma fronteira de racismo e opressão, assim como foi o mundo dos Zimbabweanos e Moçambicanos. Então onde esta a diferença? Também não sei. Para dar sofrimento a outrem precisa-se aprender a acostumar o sofrimento, para oferecer a morte a alguém precisa-se saber que da morte não mais voltaras. Não é uma profecia, os homens aprenderam isso, não pelo instinto, mas pela aprendizagem de que a vida é uma coisa efêmera para ser medida. Por isso mal-dizemos que a vida tem dois pesos e duas medidas.

O sul africano descobriu isso, de que não há problema nenhum em pensar no sofrimento ou na morte. Foi assim para este povo durante décadas. A disposição da “revolta” esta La presente, a historia pode ser contada meio sem graça, mas não deixa de ser parte de uma vivencia. O que esta acontecendo na áfrica do sul é uma armadilha para os moçambicanos, isto é, não há futuro se o ontem não foi salvo.

domingo, junho 29, 2008

os habitantes da cidade 8

Nos últimos dias tenho dedicado o meu tempo para entender algumas coisas. Uma destas coisas que com muito custo, tento perceber é a nossa cultura política. Um conceito difícil, este de cultura política, porque dele aprendemos que existe um espaço onde as nossas ações são moldadas por um conjunto de formulas e contextos.

Mas o que faz a nossa cultura política neste lugar de onde escrevo? Não sei. Porque este lugar não existe na verdade, é um lugar de uma inverdade mal gerida. Torta, por exemplo. Mas importa aqui dizer que escrevo de um lugar que pode na minha imaginação assumir a particularidade de um “lugarelho”, às vezes de uma capital com elevada importância que quando adicionada a ingredientes de uma cultura política pode transformar nossas vidas. Os ingredientes podiam ser o voto, a eleição, a responsabilidade, a governabilidade, a ciência, etc.

Isto vem a propósito do nosso ministério de coordenação e ação social, primeiro foram os mendigos, idosos de Maputo em particular, que promoveram pronunciamentos de alguns dirigentes deste ministério (com o rombo no INSS, ai esta um caso interessante sobre os contornos da proteção social). Depois veio o famoso caso do camião interceptado com as “flores que nunca murcham” que se juntou a telenovela Diana, que como costume atingiu o seu auge com aprovações, na formula 4x4, de uma lei de proteção de menores na assembléia da republica. Finalmente, porque somos um pais de fraca auto-estima, vieram os turcos com as nossas crianças com suspeita de pedofilia e rapto de menores.

Um pais pobre não se pode dar o luxo de ter ministérios que funcionam desta maneira, senão estamos mal. Um ministério com representação distrital e provincial não se pode dar ao luxo de pronunciar-se e agir desta maneira, afinal onde esta a responsabilidade política para com a gestão de um pais e na proteção dos mais vulneráveis contra a ação de outrem? Senão vejamos, a accao social e proteção social respondem a um principio de precariedade e de risco que pode afectar a qualquer um, independemente do endereço físico (por exemplo, o caso das crianças vitima dos turcos). A pergunta seria o que o estado faz para lidar com a precariedade e o risco que as nossas crianças correm num contexto como o nosso.

Pronunciar que tudo isto resulta da pobreza é um atentado a razão.

quinta-feira, junho 05, 2008

Manos o chapa100 anda silencioso mas nao esta ausente. Depois de 6 anos vivendo na terra dos outros resolvi regressar a terra do indico. Encontro-me neste momento na provincia de Gaza, de onde o chapa100 instalou-se, para a satisfacao do bloguista Mutisse. Entao estou a viver o regresso e as perguntas que acompanham a profissao na area de saude.

so no fim da proxima semana poderei postar porque esta fase de re-socializacao tem suas nuances, onde as perguntas e a observacao sao a nossa arma para compreender o mundo. As rotas do chapa100, nos proximos anos, passam a espelhar a vida de Gaza, principalmente de Chibuto, Chokwe e Manjacaze.

quinta-feira, maio 22, 2008

la famba bicha 38


A vizinhança é uma questão social. talvez interessa saber como vivem aqueles que não tem vizinhos, porque a vizinhança representa a partilha não so do espaço geográfico mas também o espaço da percepção e discrição da identidade social/politica. A questão da violência contra estrangeiros na vizinha África do Sul mostra os contornos da vizinhança. O vizinho por mais bom que seja não é e nunca vai ser familia. Existe uma estrutura social que sustenta as relações de vizinhança que difere da estrutura social que sustenta as relações de parentesco – familia. A estratégia para a partilha de riscos econômicos e políticos dentro de uma sociedade requerem uma constante revisão das relações de vizinhança e de parentesco.

O ataque a estrangeiros nos bairros pobres na África do sul poderá ser reflexo de um conflito bem mais profundo entre a esfera econômica e política. O crescimento econômico não é capaz de assegurar o bem estar de muitos sul africanos, estas manifestações de violência poderão ser um sinal de questionamento ao discurso do crescimento econômico – postulado no principio capitalista. E quando a política não é capaz de ser um elemento de reprodução de uma coesão social, num contexto onde o mercado representa uma entidade de risco e complexo , poderemos assistir este tipo de manifestações sociais. então porque os estrangeiros? eu também questiono-me, precisamos de mais perguntas, por favor.

ps -  faz ja umas semanas que falei com o Basilio Muhate, de que o facto de a nossa elite "pegar" o Mugabe como simbolo de luta contra as "forcas" do mercado e da hegemonia politica é perverso, porque desafios desta regiao austral de Africa é bem mais profundo do que sustentar um ditador. dizia na altura de que os deafios para regiao ainda estao por vir: Malawi, Angola, Africa do SUL, isto no mais curto espaco de tempo.

segunda-feira, maio 19, 2008

The social fabric e uma andorinha 5

Decorre um debate “quente” e de surdos sobre O HIV/SIDA em mocambique. O fenômeno mais interessante deste debate, tem sido a pura manifestação de soluções aspirinas para fazer face a problemas estruturais do sector de saude. Uma das soluções aspirinas que caracteriza este debate de surdos foi a famosa acção de mandar “encerrar” ou “integrar” os Hospitais dia em todo país nos serviços nacionais de saúde. Alega-se que os hospitais do dia fomenta(va)m a "discriminação dos seropositivos”. Mas aqui surge a primeira questão, como se manifesta essa discriminação nos hospitais do dia? Porque onde existe “uma” há lugar para duas questoes, como se justifica que passados vários anos um serviço clinico-terapêutico e de apoio psico-social funcione em quase todo o pais fora do serviço nacional de saúde? O que significa integrar ou encerrar um servico de saude?

E quando todas estas questoes acima mencionadas adiciona-se a famosa ordem de mocambicanizar a estratégia de "prevenção ao HIV/SIDA" em resposta a fraca resposta da estratégia ate aqui adotada, fico com mais duvidas sobre o rigor do debate sobre o que queremos do nosso sistema de saúde em mocambique, acho que algumas pessoas estao a conduzir o PR para um abismo. Existe uma relação comunicativa entre mocambicanizar a mensagem e consumir mocambicano? Ou melhor qual é a diferença entre a palavra de ordem mocambicanizar e made in Mocambique? Isto num contexto (1) de problemas estruturais do pais e (2) da ordem mundial no questionamento da responsabilidade e eficiencia do estado na provisão de serviços e garantia de cuidados básicos de saúde.

Não pretendo aqui encontrar respostas, mas reflectir acima daquilo que se pede no debate de surdos. Porque um debate de surdos? Porque todos falam e ninguém escuta. Falar do HIV/SIDA em mocambique é falar de saúde no âmbito colectivo, isto é, dos processos colectivos que acompanham os momentos de saúde, doença, sofrimento e morte. E é dentro deste processo colectivo que reclama-se do estado a responsabilidade na provisão de bens e serviços para atender as necessidades de saúde da sua população.

Para aqueles que gostam de discutir o sexo dos anjos, este post não presta, porque não pretende discutir aqui o paradigma da “pobreza absoluta” no campo da saúde , porque para nós formados no campo de medicina social o “combate a pobreza absoluta” não permite construir um marco teórico-conceitual credivel que possa sustentar a introdução de um novo paradigma científico que sustente novas practicas, como esta de mocambicanizar as mensagens. Chamo atenção para o debate que esta acontecendo no blog do Patrício Langa sobre o “ensino técnico-vocacional”, apesar de ter reservas sobre algumas conclusões do patrício, mas concordo com ele quanto a existencia de alguns elementos de natureza conceitual e metodológica, estruturantes do campo da educação, que estão a ser ignorados para a compreensao e superação do problema da educação em África, particularmente em mocambique. O mesmo aconteceu na área de saúde com o famoso “saúde para todos”.

Como dizia no principio deste post, existe um debate de surdos bastante interessante. Mas seria importante conhecer as características deste debate, porque existem elementos mais que suficientes que mostram a “disfunção” da esfera publica no debate sobre políticas publicas. Existem elementos de natureza ideológico da função hegemonica do estado na provisão de serviços de saúde e por outro lado uma consequente presenca da “nova ordem de desenvolvimento” que introduziu elementos ( por exemplo a ONG-nalização de serviços de saúde) de concorrência contra a hegemonia do estado na provisão de serviços de saúde, que mostram a tensão existente entre o governo e actores não governamentais em definir políticas, estratégias, prioridades e modelos de gestão/organização dos serviços de saúde.

Um factor determinante a analisar neste campo de tensao é o desequilíbrio de poder entre o MISAU e as associações de serepositivos que opõem-se a iniciativa do ministério, na anunciada ordem de “encerrar” ou “integrar” hospitais do dia no SNS. Este desequilíbrio de poder, resulta também desta “tensão” bem mais profunda do conflito ideológico sobre a função e os limites da hegemonia do estado, entre o ministério e as ONGs. Os serepositivos neste contexto deviam representar a utente ou o beneficiario dos serviços do “hospital do dia”, mas no contexto mocambicano eles representam o objecto complexo que é saúde-doença-cuidados no campo retórico e pratico da saúde e da sociedade. Mishler (1984) identificou dois tipos de discursos no campo de medicina, que muito bem caracterizam este desequilíbrio de poder, (1) o discurso da medicina que representa o sentido técnico-científico da medicina ( que muito bem encaixa na justificao do ministro para acção tomada) , e (2) o discurso do mundo da vida que representa a atitude natural da vida diária das pessoas (o papel que os hospitais do dia desempenham na expansão dos cuidados domiciliarios e no apoio psico-social incondicional que deve-se dispensar ao doente).

Dentro deste quadro aqui apresentado, assistimos a um debate disfuncional onde os objectivos do ministro e dos “serepositivos” são apresentados como um postulado de uma “luta” ideológica e pelo control de sistemas colectivos de saude-doenca-cuidado e não pela qualidade de serviços prestados. Mas aqui há um factor que não esta a ser equacionado, que é o papel que cada um destes actores (estado, ONGs e a associação de serepositivos que representam todo o utente de serviços de saúde) deve desempenhar num contexto de avaliação critica das possibilidades de cooperação (entre o estado e a sociedade) na superação da crise do sistema de saúde em Mocambique. O mesmo pode-se dizer deste discurso perigoso sobre a ineficácia da estratégia de combate ao HIV/SIDA, que sem evidencias de um conhecimento transdisciplinar sobre o mesmo já avança respostas para mocambicanizar a mensagem (destacando componentes políticos) sem melhor articular novos paradigmas científicos sobre a complexidade da saúde-doença-cuidado no contexto mocambicano.


O próximo post, se o Espírito de nao-deixa-blogar deixar, vou abordar o desequilíbrio de poder entre o MISAU e a associação de serepositivos, que não só transforma os serepositivos em “vitimas” da luta ideológica entre o estado e as ONGs, mas que a nível de base (providencia de serviços de saúde) esse desequilíbrio de poder entre o serepositivo e o pessoal da saúde nos hospitais do dia resulta de um problema de comunicação ( e não de estigmatizacao) entre os provedores e o utente do “hospital do dia”.

terça-feira, maio 13, 2008

a vida sem 5

Os poetas e jornalistas moçambicanos Amin Nordine e Celso Manguana, estão proibidos de participar nos eventos da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) durante um período de seis meses (leia aqui). O país esta mal, porque é um país diferente dos seus cidadãos. A direcção da AEMO resolveu assumir poderes que não lhe competem. E para mostrar a força do novo poder instituído embargou as “obras” dos poetas Amine Nordine e Celso Manguana cujo lançamento estava previsto para esta semana e para os próximos meses. Não quero ser espírito da desordem, mas o direito a liberdade artística foi violado, os acordos que a AEMO tem com os patrocinadores não lhe da nenhum direito acima da tarefa editorial sobre a liberdade intelectual dos escritores e seus membros. E mais, a AEMO é património cultural dos moçambicanos e vive quase do erário público.

Dostojevskij, não por ser russo, fez perguntas sérias e difíceis. Uma das perguntas mais profundas era sobre a origem do mal na sociedade, e qual seria o limite da liberdade. Para muita gente estas perguntas são mesquinhas, porque a resposta reside na nossa própria existência. A AEMO representa o lugar das perguntas, onde Dostojevskij podia ser qualquer um dos membros da AEMO, não na plenitude das obras deste escritor, mas na busca do enigma do mundo. Os escritores têm esse privilégio, de serem ateus num pais onde governa um Deus obrigatório.

A AEMO resolveu assumir o papel de Deus, melhor a tarefa de ser o novo apostolo da ordem, porque onde não existe Deus tudo é permitido. Será?

sexta-feira, maio 09, 2008

la famba bicha 37



Caros, também fui apanhado pelo espírito do não deixa blogar como diz o Patrício Langa. Este tipo de espírito é chato, não deixa blogar mesmo. Estive em Nicarágua, esse país irmão do nosso. Dizem que a oportunidade faz o ladrão, eu digo que a pobreza faz a irmandade. Ser irmão do outro faz bem a vida, mas ser irmão do ladrão faz-te cúmplice, não acham? Eu não, tenho dúvidas dessas minhas conclusões. Mas a viagem foi boa, rápida, o resto faz parte do fórum profissional.

2 - De regresso a vida bloguista sou confrontado com o meu Desportivo de Maputo a levar porrada - acho que a imprensa esta euforica e o desportivo é vaca leiteira para as redacoes desportivas nos ultimos anos, isto sem tirar o merito ao Artur Semedo, na sua relacao com a imprensa - . Foram buscar o Chiquinho Conde, este que saiu do Maxaquene, não faz muito tempo, porque também nao trazia resultados bons. O nosso futebol anima, tive a sensação de que o Chiquinho era „filho“ do Maxaquene. Como dizem os mais velhos: aprenda o que é fora-de-jogo, o resto nao interessa, deixa para os adeptos.

3 - O Mugabe continua no poder, a espera de uma segunda volta que pode acontecer daqui a meses. Tempo não só é riqueza, é também poder. Os zimbabueanos mostraram que não sao passivos, mas sim apáticos. Um passivo não iria votar contra mugabe, em condições de violência e intimidação? Um passivo não se atreveria a votar. Um apático sim, iria votar e foi. Voltarei a este assunto num outro post.

4. Na imprensa local, escreve-se que a estratégia de combate ao SIDA não está a ser efectiva. Porque? Porque o número de infectados aumenta, respondem. Problemático. Mas como sempre ja temos a solucao: mocambicanizar as mensagens.

sexta-feira, abril 25, 2008

Ouri pota: ndana ndzoleeeee. Chapa100: ndzoleeee yanga

Hoje o motorista deste chapa100 completa mais um ano de vida. A idade tem seu peso, como qualquer pedaço de coisas úteis, a pedra por exemplo. Eu, tenho o peso dos sentidos difíceis, tão exímios para amar e perscruta-los como o búzio de um mar vermelho. E se o mar é isso então em plena constante amo a vida.
A idade tem o peso da pedra. De um rochedo carinhoso e forte para contemplar as ondas. Engana-se quem da pedra esquiva-se, não há como fugir dela, só podemos ampara-la. Nesta quase agradável noite, numa cidade tranquila e invadida pelo silêncio de um ventre africano, contemplo a sua opulência num sarau melancólico. O ventre devia ter sido a lua que na pedra casou, com olhos grandes de quem admira a exuberancia da vida marinha e que na procura do aroma, de uma orquidea, descobriu as montanhas de rubi.
Os caminhos fazem-se moendo verbos, mesmo quando andamos tão certos de um lugar que conhecemos. Por isso festejamos a idade, como a montanha de rubi, porque estamos cegos no verbo que conduziu-nos a pedra. A minha idade pesa por isso, mas devia ser mais leve, para no mar balouçar e na pedra esquivar. Não, não foi assim. Foi preciso ampara-la, com o peso dos caminhos percorridos e aprender amar a sua opulência. Da idade não se esquiva, ampara-se como o ventre africano, de olhos grandes, que na pedra do ex-miguel bombarda deu a luz. E nasci a 25 de Abril.

quarta-feira, abril 16, 2008

terça-feira, abril 15, 2008

os habitantes da cidade 6

1- Longe do blogue o mundo não para, afinal a literatura nha mocambicana mostra isso, o celular vai se mocambicanizando, enquanto Mugabe estuda a democracia, e devia estudar mesmo, outros dizem que mal aprendeu dos outros, todos nós sabemos. E a blogues fera activa perde o Eugénio, afinal tudo é uma questão de esperar pelo ano novo, enquanto uns ficam mais velhos, outros renascem. A vida é um evangelho, afinal" Everyone has the power for greatness...

2- A mania do mundo, esta no mundo. Isso mesmo. O mundo tem mania porque existe um lugar perverso que se chama mundo. Tão redondo como a nossa própria existência. Não é uma conclusão, são perguntas ainda mal formuladas. Hoje, depois de uma jornada académica, fui saborear o sol no parque. Quando aqui faz sol, depois de prolongado tédio e frio, o mundo tem outra mania. Fica mais rebelde na forma redonda de viver dos seus habitantes. Sentei-me na primeira sombra que encontrei, porque o território do sol estava ocupado, com uma multidão, na sua maioria feminina, bronzeando-se. Como dizia o poeta-critico Marcelino na aemo, as mulheres são como lulas, no sol brilham e na água...

Na verdade o dia sentou-se por cima do meu olho. O cansaço. Passei quatro horas moderando uma míni conferência académica, entre estudantes vindos da Coreia , Franca, Canada, Rússia e Republica Checa. Gostaria de ter certeza de que a conferência não foi um two man show, um “se-calhar-entendi” entre os participantes, o moderador e tradutor. Eu sempre pensei que tivesse nascido num chamanculo errado nesta coisa de línguas, mas hoje posso dizer que o mundo nasceu no lugar errado. O mundo devia ter nascido no chamanculo, o pulmão do mundo não seria a amazónia mas o kapekape, ex-centro associativos dos negros seria a biblioteca alexandrina, o mercado do Diamantino seria o wall street, o Vaticano seria a nossa missão são josé no chamanculo c, o cinema olympia a Meca, a rua dos irmãos Roby o Titicaca, a avenida do trabalho o serengeti e como bons chamanculianos podíamos emprestar o nosso New Orleans-french quarter ao bairro de xipamanine e o taj mahal ao bairro da mafalala, assim a língua do chamanculo seria a biblia de boas coisas para entender o mundo... Mas não, deus quis fazer das suas, e assim nasceu este mundo redondo.

Mas é a língua que torna o mundo redondo. Não posso culpar a deus. Nesta sombra que protege o corpo do sol e não a imaginação que percorre o mundo, vou respirando na fadiga e na mania do mundo. De quando em vez, distraio-me, nas mulheres que se untam com creme, imagino que o sol nunca viu um animal tão teimoso como o homem. A Cleópatra preferiu leite e deu no-que-deu.

terça-feira, abril 08, 2008

la famba bicha 31 - perguntar para perguntar

Os dealers da adrenalina

Talvez devia ser o título do próximo texto, com uma produção clandestina, num teatro amador. Sim afinal, tudo faz-se às escondidas, principalmente quando se trata de abordar alguns tabus. Mas os dealers da adrenalina não querem falar do tabu, não precisam porque isso exige um esforço intelectual que muitos dealers não tem.

Na infância falávamos de fofoqueiros, afinal a mercadoria era a língua e o olho de tudo ver e falar. Uma espécie de câmara mutante, num mundo onde tudo permuta entre prazeres de uma boa conversa e uma vontade para excitar o outro. O ouvido do homem era fraco, não a carne, o corpo no seu todo. A orelha e o lábio, eram companheiros da rua, de ver e ouvir num aparato de segredos. Mas será que era o aparato em si, ou a palavra é que nunca suportou uma prisão?

Mas o tempo encarregou-se de tudo. O homem já não é a prisão da palavra. E a palavra já não brinca às escondidas, não há mais escuro no corpo para esconder o verbo. Onde a língua e o olho dormitavam no escuro, nasceu outra mercadoria: a emoção. Hoje não temos mais fofoqueiros para entreter a palavra, mas dealers cujo trabalho é produzir adrenalina em massa. Um fordismo que as vezes transcende a mecânica do corpo e da razao.

Não serão o dzukuta e o pandza, os dealers da adrenalina? Talvez. E os forwardores do video do ziqo? Os agitadores da mao invisivel? Os que querem o povo no poder? Os que vivem do combate a pobreza absoluta? Não serão tambem os bloguistas dealers da adrenalina? Talvez.

sexta-feira, abril 04, 2008

terça-feira, abril 01, 2008

A andorinha do Mugabe 3


1- Escrevi aqui e aqui sobre o Mugabe. Continuo pensando na andorinha do Mugabe, e naqueles que interpretaram a minha opinião como uma diabilização ao Mugabe. Hoje somos obrigados a assistir o que todos queriam ver: a forma precipitada para “inventar” uma formula de pensar numa África integrada sem a fragmentar. Assim como aqueles que adoram a andorinha e sem amar a chuva. A meteorologia dos sentidos, penso eu.

2- A meteorologia dos sentidos parece conduzir-nos para um abismo. Transformou algumas intenções de exercício crítico numa escolha entre a diabolização do Mugabe e o recurso ao nacionalismo. As escolhas representam aquilo que menos sabemos fazer neste continente: criar aquilo que Karl W. Deutsch chamou de security community. Este conceito foi aquele que inspirou o acordo de Incomati, o acordo de não agressão assinado entre Samora Machel e o regime do apartheid. Trocar a baioneta pelo diálogo político, e não a troca de baionetas de uma guerrilha em maçãs de um farmeiro bóer.

3- A história repete-se. Não no Zimbabwe, mas no dia-a-dia dos africanos, porque este continente produziu tanto líder que representa(va) o diabo revestido num discurso nacionalista, desde o Bokassa ate ao Idi Amin. O que intriga neste momento é perceber como Mugabe pretende salvar o Zimbabwe, e para isso não precisamos do diabo ou de um nacionalismo que assenta em apelos emocionais, mas de um líder inteligente, pragmático, que possa promover o diálogo entre os elementos radicais de uma oposição farta do regime de mugabe e os elementos mais racionais dentro da zanu-pf.

3 - Para um continente que esta habituado a revoluções ao estilo golpe de estado, não terá chegado a altura de assistirmos a uma nova perestroika no Zimbabwe? Porque só com uma perestroika pode-se garantir que o exercito no Zimbabwe (onde estão os mais radicais elementos da zanu-pf) não tome o poder. Na experiencia da repercursão que a perestroika de Mikhail Gorbachev teve nos paises vizinhos e no bloco sovietico, podemos vir a assistir tambem num futuro muito proximo o impacto da perestroika zimbabweana em alguns paises vizinhos na região.

4 - Agora caros bloguistas imaginem que neste momento a vossa situação social e económica seja esta: tens 84 anos, casada/o com um(a) mulher/Homem 30 ou 40 anos mais jovem do que tu, tens dois filhos menores, governas um pais em crise económica, os teus amigos vem bater a porta para exigir favores, a única pessoa que tem a maior possibilidade de tomar o teu poder não reconhece os teus compromissos com amigos e tua família, os teus vizinhos estão a espera que a morte te visite para distribuírem a tua herança entre eles, e o mundo pensa que estas velho demais enquanto a tua família quer-te poderoso e vigoroso por muito mais tempo, mas a tua inteligência diz que não podes planear as coisas da tua vida privada e publica, a longo prazo, porque não poderás ter vida para ver o resultado.

Usando a meteorologia de sentidos, como poderas resolver este maka da tua vida?

quarta-feira, março 26, 2008

la famba bicha 30

 Finalmente aconteceu. A política tem seu preço, o paiol também. O ministro da defesa foi exonerado, aqui termina a carreira política de um homem e abre-se um novo precedente na nossa história, para detentores de cargos publicos e politicos. Pena tê-lo feito tarde, porque a esta altura a honra e o bom nome do antigo ministro foi por agua-abaixo, deixou passar uma oportunidade única para salvar o que lhe restava de prestigio, na sua longa carreira militar e politica. Na altura logo depois das operações de socorro as populações vitimas da explosão do paiol devia ter-se demitido.

Mas fica aqui patente um caso que vai alimentar muitas páginas, quando se escrever a história contemporânea de Moçambique. Só que este ex-ministro claramente ficou preso no cargo porque não queria sair sozinho. Entre a responsabilidade política e a capacidade de gestao tecnico-militar do exército, há muita gente com culpa no cartório pela explosão do paiol, desde as altas chefias militares no comando do exército ate as chefias políticas no ministério da defesa.

As altas chefias militares saíram semana passada, em grande estilo, afinal estavam a cumprir um mandato de paz e reconciliação, com a mancha do paiol que ceifou vidas, disseram-nos que saiem com a missao cumprida. Só quem esteve longe dos acontecimentos não viu como o exército reagiu mal na gestão dos acontecimentos pos-explosao do paiol e a posterior acção de destruição de material bélico absoleto em Moamba.
Mas fica aqui uma grande lição aos novos detentores de cargos publicos e politicos, tudo tem seu preço, quer no dumba-nengue ou no supermercado.

foto:EPA

quinta-feira, março 20, 2008

os habitantes da cidade 9


A poesia sempre foi uma amante de revolucionários. Desde os mais novos ate aos mais velhos. Quem não ama a poesia, nunca poderá amar a solidão e a beleza da coisas, por exemplo o lugar das arvores e o intimo de uma anca. A revolução serve a isso, transformar os amores velhos em novos. Dizem que o maior sacrifício no mundo é escrever poesia, aquela boa poesia, para homens desarmados e desprotegidos pela ordem natural das coisas.

O meu amigo poeta e investigador Chagas Levene publicou “tatuagens de estrelas”. Com Chagas aprendi sobre as feições da leitura, o prazer de uma conversa intelectualmente saudável, a viagem pelos livros na boleia de uma loucura que chocalhava a porção restante de um livro ainda por escrever, encabulado numa taça de vinho. Veja aqui alguns textos e aqui algumas crónicas do seu trabalho de campo. E o tempo voltara, tem a mania da poesia

terça-feira, março 18, 2008

comentarios e virus

Caros bloguistas e  leitores, tem surgido nestas ultimas postagens deste blog comentarios em ingles. por  favor nao click nesses comentarios, ignora-os porque sao virus que pode danificar o vosso computador. obrigado chapa100

terça-feira, março 11, 2008

la famba bicha 29 - o crime II

O link em referencia no primeiro paragrafo deste post mostra os vários desafios institucionais que este ministério enfrenta, sem contar com varios outros que não cabem num post deste blogue. Mas importa chamar atenção para alguns pontos que gostaria, nesta pequena opiniao, de adicionar. Parece que a questão da visibilidade da policia é um ponto fulcral para devolver o sentimento de segurança para os citadinos de Maputo. Esta visibilidade implica maior patrulhamento em zonas ou locais onde é mais provável a prática de crimes, pegando nos estudos preliminares sobre os linchamentos e outros relatorios sobre práticas criminais pode-se mapear essas zonas.

Imagino que, para algumas pessoas, maior patrulhamento implica aumentar o efectivo e meios circulantes para a polícia. Não estão enganados. Mas neste momento o desafio operacional em relação ao aumento da visibilidade da polícia, com o patrulhamento e em particular nos bairros perifericos, implica ter a coragem para reformular o programa de policiamento comunitário vulgo “polícia comunitária”. Sobre os pecados da polícia comunitária escrevi o ano passado no mocambiqueonline (ver os meus elos). Mas vou mostar, com um pequeno exemplo, alguns atentados a razão que a priori mostram os pecados deste projecto e não vou tocar nos argumentos que justificam a sua implementação, tão problematicos como o argumento que acompanhou aquela iniciativa de distribuir apitos aos moradores no bairro de Chamanculo para estancar assaltos as residencias.
Vamos olhar para o problema da criminalidade em alguns bairros periféricos, muitos deles retractados em várias orgãos de informação e estudos sobre a criminalidade em Maputo. Alguns entrevistados fazem referência para a exploração de casas de pastos vulgo barracas ate as altas horas da noites, onde regista-se a prática de prostituição, o consumo de estupefacientes e excessivo consumo de álcool, particularmente entre adolescentes e jovens. Para os entrevistados este tem sido o incentivo para a ocorrência dos chamados crime de diversão, que muitas vezes resultam em homicídios e pertubação da ordem publica. A experiencia mostra que os jovens destacados para policiamento comunitário, não tem competência para intervir ou exercer actividade inspectiva e muita menos competência para fiscalizar a actividade administrativa de alguns locais de diversão. Isto é, impedir que a barraca senta-baixo funcione ate altas horas da noite ou exigir a proibição de venda de álcool e tabaco a menores de 18 anos.
Com este exercício pretendo mostrar que a questão de segurança pública é complexa e requer um desafio bem mais ambicioso em termos de reformas. Com o exemplo acima das barracas quis mostrar que a visibilidade da policia só é eficiente se acompanhada de iniciativas integradas tais como, 1) propor legislacão ou regulamentos sobre a exploração dos espaços de diversão e ter disponível uma actividade inspectiva conjunta entre a PRM e a policia municipal no âmbito das suas competências territoriais e de actividades previstas na lei para fiscalizar a actividade administrativa de alguns locais de diversão, 2) Juntar a estas, outras entidades ligadas as autarquias ou governos locais que tenham competências específicas para velar pela ordem pública em matéria de aplicar coimas, prevenção e apoio a pessoas carentes ou envolvidas em actividades de risco.
Agora voltamos a estaca zero, esforço ou preocupação? sim estamos perante um problema sério. culpar so a policia não ajuda a ninguem. A policia pode estar a ser vitima dos muitos atentados a razão que pululam na nossa esfera publica. Com tempo, estamos a perceber que a policia é o elo mais fraco, de um conjunto de coisas ausentes na discussao da coisa publica.

segunda-feira, março 10, 2008

la famba bicha 28 - o crime I

Escrevi aqui o ano passado sobre o que pensava sobre a situação do crime em Moçambique principalmente no grande Maputo. O pensamento na altura, estava mais virado para a responsabilidade política do ministério de tutela em relação a politicas, estratégias, projectos e planos para conter a onda de criminalidade que dava a impressão de ter aumentado numa proporção assustadora. Continuo pensando que faltam ainda respostas políticas, programáticas visíveis para poder avaliar o esforço dos quadros superiores em estudar e prevenir o crime.

Estudar a natureza e as manifestações do crime não é tarefa fácil, existe ciência para isso. A ciência que estuda o crime não visa produzir respostas para purificar ou proteger por completo a sociedade de delinquentes. Mas neste post não pretendo falar da ciência do crime, não tenho competência para isso apesar de na unidade onde trabalho termos uma unidade de pesquisa aplicada, onde varias vezes colaboramos com varias instituições ligadas ao estudo crime e delinquência juvenil.

Li no jornal notícia que a polícia destacou uma unidade composta por elementos vindos de varias unidades ou instituições do ministério do interior, para estudar os linchamentos, na região centro do pais. De forma geral podíamos dizer que estamos perante um indicador que mostra a preocupação política e institucional para com este tipo de crime. Será que isso basta? Qual seria a magica formula para perceber quando é que este ministério esta preocupado e quando é que esta se esforçando?

Quando o crime atinge os níveis insustentáveis e intoleráveis em termos de níveis de aceitação e negociação da percepção de estar seguro e protegido na sociedade, a diferença entre o esforço e a preocupação trás pouco ou nada de novo, pelo menos numa sociedade onde o impacto económico e social do pequeno crime tem efeito contaminador nas relações de poder e reprodução social. Estamos numa situação em que o criminoso não tem rosto, é tão anónimo como quem tem o mandato e o dever de o combater.

O professor carlos serra já publicou bastante e não o suficiente sobre os linchamentos. E muitos outros estudiosos e curiosos, incluindo as vitimas do crime. Aqui não podem acusar as forcas vivas da sociedade de estarem de braços cruzados, alguns de forma apressada e outros com uma atitude mais cuidadosa vão mostrando que podem contribuir para uma maior visibilidade do crime e dos seus contornos sociais.

domingo, março 09, 2008

O chapa100 fica varias vezes silencioso. Desta vez foi por uma manifestação de dor e luto. Só não sei se a manifestação de luto deve ser pública, mas a blogsfera é uma comunidade de familia, amigos, vizinhos, patriotas, desterrados, desconhecidos e virtuais cidadãos. Um bloguista, amigo de uma infancia presente, um jornalista cultural, agora feito um emigrante, como eu e muitos, que nas noites de insonia conversamos sobre o nosso pais tão distante na saudade e tão presente na memoria. O meu luto, é pelo ouri, pela perda do pai.

segunda-feira, março 03, 2008

the social fabric e uma andorinha 3



Parece ser comum hoje comentar que o chapa 100 governa nossas vidas. E não estamos enganados, segundo a percepção popular. Por muito tempo alguns actores políticos da praça, andaram a criar governos paralelos e governos sombra. Fizeram-nos crer que tinham mandato político para tal ousadia. Alguns justificaram que era um experiencia comum no mundo, em democracias mais adultas. Não estavam enganados.

Mas esqueceram-se de perguntar se tinham mandado político-social, entendido como popular, para tamanha ousadia. O chapa 100 mostrou que tem um capital político-social de fazer tremer qualquer partido no governo ou na oposição. Fazer estremecer um pais não é uma questão de ousadia, é de muita força social que supera o capital político de muitos. O sociólogo Carlos Serra chamou este capital político-social do chapa 100 de um sismo social.

Não pretendo aqui dar um cunho político ao chapa 100, sob pena de criar governos paralelos nas estradas moçambicanas. Mas interessa-me, este paralelismo que o chapa 100 tem com o nosso ambiente político e seus actores. E não são só os partidos políticos com seus governos paralelos e sombra que são desafiados pelo capital político-social do chapa 100. E a media? Esta declarou-se o quarto poder. O mandato para estabelecer esse quarto poder foi buscar na experiencia do mundo, em democracias mais adultas.

Mas em democracia menos adulta, o poder assenta em outros actores. Menos experientes mas ousados, bastante frágeis em relação a concepção que temos de um estado funcional, mas aparatosos no controle das relações sociais, políticas e económicas do cidadão no dia-a-dia. O poder do chapa 100 assenta na miniatura das relacoes formais do quotidiano quando existe uma percepcao generalizada da ineficiencia das instituicoes formais, o que particularmente cria incentivo para alguns actores especializados em relações sociais, económicas e politicas informais. E os ultimos desenvolvimentos mostram que existem vários governos paralelos e com poderes que disputam o controle pela dimensão normativa do exercicio de poder no estado, isto é, na busca de legitimidade para o controle das relações sociais, economicas e politicas na nossa sociedade. Mas importa aqui questionar porque que alguns segmentos da nossa sociedade não se querem transformar num poder que aposta no incentivo ao crescimento/fortalecimento de instituições formais e estruturais na sociedade? E será que o nosso sistema democratico menos adulto permite isso?

domingo, março 02, 2008

amor de zinco 8

cá fora
o vento sopra
a lua crepita
e o corpo
engrandece

leva
minha razão
para
outra margem

mas
o vento
não só
sopra
a leste

a lua
não so crepita
e o meu
corpo
não só engrandece

tudo
muda

adquire outra face

mas dentro
tudo
permanece
bombeia
palpita
e ama
em plena
constante.



in jorge matine - "abutres do amor", Ed.Moura Pinto, Porto, 1999

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

a vida sem mais 3


Apresento neste espaço de coragem dois textos que pude ler na página do jornal noticias reservada a opinião/cartas de leitores, os textos correspondem a contextos diferentes e apelam a diferentes destinatarios. O que chamou-me atenção nestes dois textos é o apelo a cultura juridica e a purificacao, fugindo ao apelo emocional que tem caracterizado a maioria das intervenções sobre o cidadão indignado.


terça-feira, fevereiro 26, 2008

(des)mamar um pais 1

O sociólogo e bloguista Elísio Macamo faz uma incursão de tirar o fôlego, pela brilhante disposição de ideias sobre o que ele pensa dos desafios de Moçambique em relação a indústria desenvolvimento. Em muitos círculos este é um assunto polémico, não por causa da sua complexidade, mas devidos a vários entendimentos do mesmo. Elísio Macamo numa das suas dissertações escreve que a corrupção transformou-se “num instrumento de trivialisação da nossa política, mas também numa cortina que não nos permite ver os problemas sérios que a dependência do auxílio externo está a criar no nosso seio”. Um argumento polémico, não pela ênfase temático, mas pelo chamamento que faz a nossa reflexão.

Este argumento revela-se polémico quando somos obrigados a “inspeccionar” as nossas crenças e os vários discursos sobre a agenda de desenvolvimento para Moçambique. Mas ouvi como sempre nos vários foruns que estamos perante um momento de coragem do Elísio em desafiar nossas crenças e achei problemático o entendimento que temos de homens corajosos. Acredito em alguns atributos da coragem, mas o facto de que ate para reflectirmos sobre o nosso eu-individuo como primeiro exercício de cidadania, precisamos buscar “coragem”, revela-se problematico. Que poço é esse que só oferta agua para alguns previlegiados?

Ao reflectir sobre a ideia/entendimento do desenvolvimento, que só é valida quando pode devolver aos moçambicanos um pensamento reflexivo sobre as suas opções politicas e sociais, Elísio devolve a “bola” para um debate interessante sobre os limites e os contornos da liberdade. A liberdade no caso dos Moçambicanos, no meu entendimento, seria o entendimento de que existem coisas possíveis, no âmbito político, social, económico e cultural. Onde as coisas possíveis devem estar ligadas ao pensamento de que temos que ser capaz de fazer a nossa própria historia.

Fazer a nossa própria historia, não significa um desligamento com “o mundo de boa vontade” e o sentido regulador que as relações com o mundo impõem na nossa existência como sociedade e como pais. Significaria devolver a autonomia política e moral aos moçambicanos de modo a definirem os critérios e o entendimento que temos do desenvolvimento e do rumo que queremos dar a nossa história. Aqui acredito que os atributos da coragem não são suficientes, precisamos de desenvolver uma cultura crítica instrumental que permite identificar ou preservar espaços no nosso sistema político para a articulação de interesses e que permite fundamentar uma concepção comum de desenvolvimento sem intervenção de uma concepção exterior ou superior ao raciocínio dos cidadãos envolvidos.

E porque tudo é uma questão de coragem vou deixar aqui ficar nesta rubrica a minha pequena coragem.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

the social fabric e uma andonrinha 2


“em quantas partes se vive um grito
Em quantos corações se parte uma terra
Em quantos olhos se come o sol
E em quantos pães se mata um sonho?”1.

Parece que a nossa vida de homens pacíficos mudou. Não sei quem foi que disse que nossa indignação para com a injustiça, a incerteza, a incompreensão, o obvio, o medo, a mudança, o crescimento, a pobreza, a riqueza, a tirania, a democracia, o beijo, o linchamento, nunca existiu. E quem tem a memória mais lúcida, vai explicar-nos sobre tempos pacíficos e menos violentos da nossa história, onde o realismo de um passado menos documentado e violento pode casamentar com nossas paixões inquestionáveis para com a paz e a moda de santos apertadores de cinto. O mundo mudou, e como obvio mudou a nossa percepção de homens fazedores de história.

Quem não se da conta disso, esta condenado no drama de um mundo real que não permite estar perto daquilo que pode confiar: o governo, a família, o estado e suas instituições. O estado está mais para uma instituição telenovelada, ele institucionaliza-se em personagens coreografadas num mundo de apelos a emoção e afecto que não encontramos no sofá ou na esteira da nossa casa. Por vezes reforça o realismo com encenações de apelo ao louvor, a celebração de conquistas, como se a sua existência fosse suficientemente inquestionável, afinal ser cidadão é universal, ser pobre também. A desigualdade é isso, legitima a existência do estado, onde o governo existe como aquele que esta para contar uma mesma história, segundo duas perspectiva separadas: nós e o povo.

Não é pessimismo. Não há lugar para isso. Porque ser pessimista num pais onde todos têm respostas? Fazer sugestões pode ser fatal, morres com uma bala de borracha requintada de chumbo. A resposta já a encontras: devolver a indignação, ate ao último minuto, para aqueles que tem esse direito, de recolher nossas indignações e estuda-las como o geólogo que na pedra não se apaixona, só no murro que não se humaniza. De que adianta procurar respostas num pais que não permite sugestões?

Mas a resposta encontrada não satisfaz. Afinal qual das duas perspectivas da mesma historia permite devolver a indignação onde ela sempre pertenceu? A indignação sempre pertenceu aos homens, o mundanismo retirou-nos isso, porque a sugestão de que todos podemos indignar-nos pareceu-lhes caricata. As manifestações resultam dessa indignação, com a nossa postura de negar sugestões “Em quantas partes?”

1 Excertos do poema “Em quantas partes?” de José Craveirinha - Colectanea breve de literatura Mocambicana, edicao Identidades, Porto, 2000

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

The social fabric e uma andorinha 1



Durante muito tempo coleccionei uma data de coisas semi-úteis na minha vida de emigrante. Apesar de nunca considerar-me um emigrante, porque ser estrangeiro faz parte da vida. Emigrar nao doí, faz da nossa vida um pequeno filme de incomensurável respeito. Quando rebusco a infância, existem lugares e pessoas que auto-ficcionam, uma moldura de coisas passadas. A beleza esta ai, no pequeno mundo de memórias, que no fim do dia, enamora-se no mundo que emigra constantemente em nós.

Mas será que isso basta? Pormenor importante esse de reconhecer os limites do que consideramos excelente. Redondamente podemos dizer que somos homens de um pais redondo, porque como emigrantes giramos ao ritmo de uma bola, impressionados pela larga presença de terra, prazer, lugares, e uma atracão por cultivar coisas praticáveis e ou apenas que fascinam. E será que isso basta?

Não sei onde buscar palavras de sol e chuva. Sim afinal, tudo que no sol brilha na chuva molha. Não é um verso, mas um pequeno pormenor de um emigrante. O sol não é sinónimo de calor, mas de uma energia feminina, representa o que é colorido, pseudo-seduzido, e simbolicamente sensual e ingénuo. Como emigrante tenho esse direito, de feminizar a vida.
A chuva, surge como a nossa primeira conversa com o mundo. Chove como ideias de um pensamento discreto. Uma chuva liricamente livre, assim posso caracterizar essa vontade de sair molhado. Quando todos correm a procura de abrigo, o emigrante deixa-se pingar, molhar sua ténue vontade de ser sempre o menos significativo, para os que da chuva abrigam-se.

E as pequenas coisas úteis de um emigrante surgem como vocábulos de uma língua que menos amamos. Aprende-se a amar aos bocados, mil coisas de uma vez só, porque o prazer e o instinto aprumam-se. Como um telescópio que procura e perscruta um cometa desarmado, substancialmente livre de um universo de segredo humano e outro divino. Então ser estrangeiro é isso, nunca um emigrante, porque o mundo é redondo. A terra emigra, nós ficamos em sentido como guardiões de um universo poético, mal amado, mas resistente numa memória de criança que auto-ficciona-se, como um adulto prenhe de saudades.

Mas será que isso basta?

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

a vida sem mais 2


Segundo um dos jornais Fax da praça, o conselho municipal veio anunciar que 2 empresas privadas (portuguesa e sul africana) ganharam o concurso para a recolha do lixo no municipio de Maputo. Finalmente, vamos ter uma cidade limpa e cheirosa. Só que até agora ninguêm quer disponilizar os números envolvidos nesta operação. Os numeros dizem muito e como dizem. E neste municipio de Maputo, ha gente que gosta de brincar com os números.
foto de Ouri pota
o sociologo elisio macamo no seu blog postou alguns textos que tocam a questao da corrupcao e o desenvolvimento do nosso pais. E porque andava ocupado com as minhas ferias e pesquisas, nao pude participar activamente no debate. Prometo voltar a este assunto, na tese de que os problemas de desenvolvimento em mocambique resultam muito mais da fraca capacidade interna de formular melhor o nosso proprio entendimento sobre o desenvolvimento. O ataque a industria de desenvolvimento tornou-se um mero exercicio interno para negar a nossa responsabilidade nacional para com os problemas sociais e economicos.
Deixo aqui uma referencia ao artigo do jornalista J. Langa sobre o estado generoso.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

os habitantes da cidade 9


- Comadre! Viste o que aconteceu?
- Não vi, diz lá comadre o que aconteceu!
- As crianças, comadres. Essas nossas crianças, não tem juízo comadre?
- O que aconteceu comadre que já estou a ficar nervosa?
- Elas estão a manifestar contra o governo?
- Jura!
- Sim, comadre!
- Qual governo? O nosso governo?
- Sim, o nosso!
- Eish! Já não há respeito, comadre! Nada, juro!
- Sim, não há mesmo respeito, damos de comer e beber comadre, e ainda manifestam!
- E logo contra o governo, o nosso governo comadre!
- O nosso governo comadre, não merece isso!
- Mas eram crianças de quem? As mães devem ser chamadas atenção.
- Eram crianças do povo! Comadre, as mães nem estavam lá.
- Estavam aonde?
- Comadre afinal não sabe? Elas também, estão a manifestar
- Jura?
- Sim comadre! Elas, as crianças e o povo.
- Então já não há respeito! até as crianças e o povo?
- Por isso comadre! Por isso!
- Coitado do governo!
-...eish comadre...governo só!
- Ta a ver a tua filha comadre ai na rua a manifestar, contra o governo?
- Nada! juro...minha filha? A Nyeleti? Essa tem juízo comadre.
- A minha Joana também, tem juízo, nunca chumbou...
- E a Nyelete comadre! sempre dispensa.
-...hm
- Ah sim, saiu ao pai...o Alberto tem juízo, apercebi-me disso logo que ele ia ser alguêm quando ainda namoravamos...
- E não falhaste comadre, hoje ele é ministro, e até fica-lhe bem aquele cargo...
- Fica-lhe bem...mas comadre governar aqui neste paĺs, nao é fácil...
- Mas comadre o que interessa mesmo é que estão bem...
- Ah isso não tenho razões de queixa...E o teu João comadre, pensa mesmo que ali na oposição vai ter cargo? Com aquela gente ali?
- Comadre tu conheces o João, ele quando mete uma coisa na cabeça ninguem lhe desvia...sabes como são as pessoas do sul comadre.
- Mas comadre, afinal você não tem força? Pensas que Alberto é ministro hoje porque?
- Comadre pensas que não tentei? Tentei toda minha vida, cansei-me, até o burro cansa-se de puxar a carga...
- Mas somos mulheres ou não comadre!? As criancas podem manifestar mas nós mulheres lutamos comadre, por tudo: familia, filhos, marido, por tudo comadre.
- E pensas comadre que não lutei!? Sou a única em casa que luta por este governo, as crianças manifestaram-se, o pai também, eu fui a única que vim logo que pude, para avisar a comadre...
- Avisar o que comadre!?
- Para a comadre não mandar tirar os chapas da garragem para a rua, senão vão ser queimados e apedrejados pelas crianças...comadre!
- vocé é mesmo amiga comadre...pena que o compadre João e Alberto não se entendam.
- Muita pena comadre!
- Hm...

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

la famba bicha 27 - manifestacoes em maputo

Caros bloguistas e leitores, voltei. As férias foram curtas, tive que encurta-las devido as manifestações/protesto popular contra o aumento do preço do chapa 100. Não podia manter-me tão longe dos meus leitores e colegas da blogsfera. E o regresso não tem nenhuma intenção de "simbolizar" uma solidariedade do "povo no poder" com os meus passageiros. O lucro não tem dessas coisas. Na vida de pequeno empresário, podemos "ter" uma responsabilidade social, mas só ao nível do imposto. Pago com respeito à contribuição que a sociedade tem para com a minha vida de cidadão e a dos meus. Então, a minha responsabilidade social, com a obrigatoriedade do imposto, faço-a com responsabilidade de quem acredita nas suas limitações para ser "Deus" dos outros.

Na minha pequena introdução, devem ter percebido que não sou um qualquer: sou pequeno empresário. Não tenho uma frota de autocarros de luxo, mas tenho chapa 100. Tem lugares multi-funcionais, uns " sentam-se de pé", outros "sentam-se sentados", tudo depende da tolerância que cada passageiro tem para com os “buracos da vida” e a escassez de transportes urbano. Ser empresário é isso, dar a cada cliente um "prazer" diferente com o mesmo produto, acho que o produto e a marca chapa 100 sustentam-se com isso. Aprendi esses "truques" com a 2M, uns bebem com prazer de rico outros bebem-na com prazer de pobre, mas todos somos aliciados pelo " orgulho nacional a nossa maneira", produzida ali no Infulene rodeada de hortas "embelezando" a revolução verde na cintura de Maputo.

A vida do pequeno empresário funciona com "truques" que aprendemos de grandes empresários. O "truque" que dificilmente consigo apreender tem a ver com o "truque" dos impostos e isenções fiscais. O grande empresário diz que ele representa grandes investimentos, por isso não precisa de sindicatos e confederações de interesse "popular" ou empresarial, tudo ele negocia com o governo, directamente. Quando precisa de isenções fiscais tem uma audiência imediata com o governo, quando alguma negociação complica-se rebusca a palavra mágica: investimento estrangeiro. Logo marca-se uma outra audiência, imediatamente as vezes com direito a debriefing no conselho de ministros. Passado dias, o grande empresário é inaugurado com sirenes e combustível, que devido ao seu estatuto de investimento estrangeiro por três anos não vai pagar a totalidade dos impostos para custear as despesas da sirene e combustível do "chefe" que foi lá inaugurar o investimento. Este truque do grande empresário ainda não deu para aprender.

Quando o pequeno empresário tenta “entender” junto do governo como "funciona" o truque dos impostos e isenções fiscais, somos encaminhados para reunir em confederações empresariais. E Quando o pequeno empresário "pede" audiência com o governo, chamam-no encontro tripartido, porque o governo exige a presença do sindicato de trabalhadores em representação de "passageiros" que viajam connosco sem nenhuma identificação: de operários, camponês, estudantes, idosos, desempregados, domésticas, funcionários públicos, carteiristas, trabalhadores do informal, empregados comercial e industrial. E o encontro revela que o pequeno empresário deve “entender” que imposto paga-se, sem isenções, e o preço do chapa 100 só é legítimo se o sindicato aprovar. Então aprendemos que existem truques que ultrapassam nossas capacidades de pequenos empresários.

Por isso inventamos nossos "truques", do pequeno empresário. Afinal, " a nossa maneira" somos pequenos empresários. O “truque” ate aqui parece eficiente: encurtamos rotas, “negociamos” com o policia de transito e camarária e não com o sindicato, marcamos audiência na hora do almoço no estrela ou museu com o funcionário da reparticao fiscal, "tapamos" os ouvidos da nossa consciência pesada com musica alta, inventamos "nossas zonas " francas para investimento na rota, resolvemos ser governo e decidimos quando e onde o passageiro tem "isenção" de 2.500 meticais no seu investimento “estrangeiro” da renda em casa.

A vida do pequeno empresário, tem “truques” de responsabilidade social, Como puderam ver. Afinal descobrimos que “podemos ser deus” na terra e no céu. Alguém duvidou disso? Somos o novo evangelho, “o rebanho” saiu a rua todo em nome da fé, do bem-estar. Não foi em nome do desespero como alguns tentam demonstrar, o ritual da “religião” da fome não permite isso. Jejuamos, todos os dias, em nome de impostos. E chapa 100 é isso, uma “religião” de truques, que produz o social e chapacentea qualquer cidadão que negue esta responsabilidade que temos para com a sociedade.

E como pequeno empresário, amanha poderei escrever sobre os “subsídios” que pretendem transformar-nos em mensageiros “ de um divino futuro” para os citadinos de Maputo. Aguardem. Sou pequeno empresário.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

la famba bicha 26 - manifestacoes em maputo

Prezado Chará*

Estou de férias e vou reflectindo sobre as manifestações "num estilo" preguiça, lendo aquilo que não me rouba tempo e aquilo que durante a jornada de trabalho não leio. Por isso o meu primeiro comentário foi muito no sentido de "apadrinhar" a reflexão do Fanhana. O problema do pensamento “via rápida” está na forma ousada de apresentarmos "o final" das coisas e não "o processo" das coisas. Concordo consigo que parti para uma reflexão conclusiva, errei e devia ter começado de outra forma: pelas perguntas, que conduzem-nos a entender o processo.
Chará gozando, por causa das férias, não vou poder reflectir nas perguntas, com o método necessário, mas não poderia deixar de levantar aqui alguns pontos:

1- Existe aqui uma crise de (re) adaptação, que resulta de contradições interpretativas "do espaço e tempo" no processo de transferência da "visão e organização social" dos moçambicanos, do meio rural para o meio urbano, da aldeia para a cidade, da relação com o vizinho para a relação com repartição pública, de um sistema produtivo e de solidariedade familiar para um sistema produtivo anónimo e individualista, etc. Parece-me que ignorar os fenómenos de transição ou os espaços de negociação pode resultar em conflito identitário, na aceitação da ideia do futuro.

2- Dentro do espaço “identitário moçambicano" de ponto de vista de desenvolvimento social e económico, como identificar a ideia do progresso e ou da modernidade. Estes dois conceitos nunca chegaram a definir uma "coisa" concreta em muitas sociedades, nós aqui deste lado do "sul do hemisfério" foi nos apresentado o que seria transformar as nossas massas populares agrárias para o nível de uma "indústria progressiva". Como se faz isso? Quem faz isso? A ideia do progresso e ou da modernidade parece que ainda não foi melhor formulada dentro da nossa sociedade.

3- A ideia do progresso e ou de modernidade requer uma “visita critica” às nossas certezas e crenças. Problematizar as coisas, a nossa cultura, organização social, a ideia do "espaço moçambicano", sistema político, as nossas ideologias, a nossa capacidade técnica, vontade, gostos,...

4 - Parece-me que por um lado, Moçambique soube usar a "vontade" como uma condição primária para o progresso. Tivemos esta forma “brilhante” de apresentar aos outros este nosso "capital de vontade" e em troca recebemos técnicas, estratégias, políticas, fórmulas,...sem nenhum questionamento crítico. A questão da integração regional revela essa cultura de "capitalizar a vontade".

5 - O que “isto” tem haver com as manifestações? Não sei!. Penso que Moçambique tem muitos problemas, teve no passado e tem-nos agora. Tal como a vontade de ontem e a vontade de hoje. De que temos problemas todos concordamos, agora se esses problemas estão melhor identificados e formulados, parece que todos temos "a vontade" de dizer que sim. Quer a "vontade" e os problemas atingiram um ponto crítico, exacerbados pela problemática maneira como "capitalizamo-los" sem os problematizar.

6 - A incapacidade de resolver os problemas, mesmo com tanta vontade que temos, reside na razão de que os moçambicanos, de todas as classes sociais, tem falta de conhecimento e capacidade para compreender as causas e produzir soluções para os problemas sociais. Chará, tento há vários anos encontrar nos vários relatórios produzidos sobre as causas da pobreza em Moçambique, um denominador comum. Nada, não há consenso sobre a prioridade dos nossos problemas. A prioridade "fabrica-se" de acordo com a tabela da "vontade" e da disposição daqueles que nos "ajudam".

7- E parece-me que os critérios para identificar a prioridade dos problemas do país, esta inserido no contexto das transições do espaço e tempo, referidos no primeiro ponto. Temos uma dificuldade enorme, em distinguir problemas pessoais de problemas sociais. Encontrar uma linha divisória entre estes dois "mundos" só pode ser possível se desenvolvermos um pensamento critico. Encontrar a linha divisória destes dois mundos ajuda-nos a encontrar a fotografia do país, reflectir Moçambique. E não deve ser difícil encontrar na nossa sociedade problemas pessoais que tentamos transformá-los em problemas sociais de todo Moçambique, em todas classes sociais.

8 – Chará já me alonguei, e para terminar vou pegar nas manifestações em Maputo. O chapa100 tem muita "arrogância": encurta rotas sem prévio aviso, não respeita a lotação de passageiros, corta prioridade, não aceita nenhum conselho do passageiro, não respeita sinal de trânsito, música alta até onde viajam pessoas doentes, etc. Para mim isto caracteriza um arrogante, ele só existe porque os interesses dele existem. Mas esta arrogância "existe" numa estrutura político-administrativa que tolera isso. O chapa100 simboliza "um poder autoritário". O outro ponto que precisamos reflectir tem haver com os símbolos da modernidade e do progresso: em muitas zonas periféricas de Maputo, o chapa100 faz esta ligação entre a "periferia de tudo" e o "centro de tudo", entre o velho e o moderno, entre os que tem e os que não tem, entre os problemas pessoais e os problemas sociais de Maputo, entre o mundo abstracto (vontade) e o mundo concreto (realização). Existem bairros onde não existe polícia, posto médico, escola, água potável, etc. Mas lá passa o chapa100. Existem bairros onde as vias parecem intransitáveis mas lá passa o chapa100.

9 – Chará, para mim estas manifestações obrigam-me a fazer mais perguntas. Só que não fiquei assustado com as manifestações, mas sim com reacções, nos vários blogues e fóruns na internet. As reacções revelam uma apetência profunda em "capitalizar vontades" sem problematizar mais os nossos problemas. O preço do petróleo e do trigo subiu no mercado, e vai continuar a subir. Tal como amanha vai subir o preço do arroz, do papel, do ferro, da água, da madeira, do algodão, da electricidade, etc. Os países mais desenvolvidos tem um "sistema de almofadas", que minimiza o impacto social, porque eles tem instrumentos fiscais e monetários a dispor, e uma reserva económica robusta. Moçambique é um pais pobre, com uma elite politica-empresarial tecnicamente mal preparada, com políticas e estratégias macroeconómicas dependentes do "bem intencionado" parceiro internacional. Tudo isto parece complicado Chará, e deve ser muito complicado mesmo. Há muitas décadas atrás uns achavam que a esta altura estaríamos a viver o progresso e a modernidade na sua plenitude no mundo. enganaram-se? Não sei.

Entao chará, qual é a sua ideia?
* Jorge Nguele, em relacao ao debate sobre manifestacoes no mocambiqueonline.

terça-feira, janeiro 29, 2008

la famba bicha

O chapa100 resolveu "estacionar" por alguns dias, para uma revisao completa do chapa100 e oferecer um descanso merecido ao seu motorista, voltarei brevemente para dar inicio a uma nova viagem, com uma nova tarifa e talvez com novas rotas. Prezados leitores e bloguistas tenham uma boa semana de trabalho.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

la famba bicha 25

Na sociedade complexa em que vivemos, somos obrigados a procurar caminhos mais fáceis para escapar das teias sociais e economicas que promovem a opressão. O caminho e as opções que escolhemos não resultam de um debate mais-ou-menos inclusivo. Por debate inclusivo entendo ser aquele (debate) que apresenta razões validas para intervir. O ministro da saúde faz das visitas relâmpago, a única solução politica para o mau atendimento hospitalar. (veja qui no blog de patricio langa)

Este exercício do ministro empurra-nos para a questão das perguntas simples, que resultam em respostas simples. Por exemplo, seguindo a lógica da solução relâmpago podíamos chegar a conclusão de que em Moçambique as pessoas adoecem de malária, apanham sífilis, embriagam-se e envolvem-se em escaramuças que resultam em mortes, que a gravidez na adolescência, resulta do mau atendimento hospitalar.
Como foi que chegamos a esta conclusão de que o problema da saúde em Moçambique resulta do mau atendimento hospitalar? E o que entendemos por atendimento hospital? A boa educação do pessoal de saúde ou a providência de cuidados hospitalares com um standard mínimo de serviços clínicos?

A resposta para estas questões significaria negar as perguntas simples. Em sociedades complexas os problemas sociais são ampliados pela ineficiência de serviços públicos e também pela “herança” política de um estado paternalista, a acção governativa devia preocupar-se com a formulação de perguntas sobre a legitimidade e a eficiência dos meios escolhidos para atingir os fins ou metas politicas ambicionadas. (assunto em debate no blog do Elisio Macamo).


Este exercício de visitas relâmpago, três anos passados, não se mostra como o meio/instrumento eficiente e legitimo para resolver os problemas de que o sistema nacional de saúde enferma. Este exercício do ministro, permitiu acima de tudo identificar que os problemas que a saúde enfrenta são estruturais, devido a sua repetição sistematica (entenda-se repititividade) e a forma regular como algumas práticas são “toleráveis” em quase todas as unidades de saúde do pais. O papel que esperamos daqueles que tem responsabilidade política para que estes problemas acima identificados sejam resolvidos não é de agir de forma histérica e incontestável, mas formular perguntas que hierarcamente permitem devolver a responsabilidade política e técnico-profissional a aqueles que são pagos e treinados para que o sistema nacional de saúde funcione de forma regular e eficiente para o bem da saúde do cidadão.

Existe aqui um ponto de manipulação perigoso, que precisamos ter cuidado quando lidamos com serviços públicos, especialmente a saúde. Partir do pressuposto de que todo o utente do serviço de saúde, tem um conhecimento activo sobre a enfermidade e procedimentos do diagnóstico clínico que são efectuados nas unidades hospitalares pode revelar-se falso e contraproducente, porque mais do que um exercício racional de empoderar o utente revela-se como um apelo emocional a aqueles que esperam dos quadros da saúde um serviço profissional e tecnicamente satisfatório. A satisfação do utente, com muita probalidade, fica visível só no momento em que ele distancia-se da condição de doente e por meio disso fica socialmente e ontologicamente “saudável”.

Então, em minha humilde opiniao, são várias as perguntas que a saúde precisa fazer. Fazer essas perguntas não significa transferir a responsabilidade política de alguns para a ineficiência técnica de alguns profissionais. Significa que as próximas perguntas devem evitar o apelo aos dilemas sociais e ao chamamento emocional que ate agora tem caracterizado o “exercício relâmpago” mas sim o apelo a perguntas que possibilitam uma análise crítica e que despertem confidencialidade em soluções racionais a curto e longo prazo.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

la famba bicha 23 - perguntar para perguntar




1 - As crianças aprendem sobre o mundo e seus fenómenos perguntando. Para elas tudo começa com uma pergunta. Quando falta-lhes palavras para questionar , usam as mãos para satisfazerem a sua curiosidade. Para elas as perguntas devem ter uma resposta, mesmo não estando preparadas para compreender as premissas e a plausibilidade dos nossos argumentos.
AS crianças, poucas vezes, justificam o seu constante exercicio de perguntar com respostas tais como: so perguntei por perguntar. Um pais sem perguntas é obra dos proprios cidadãos que negam a natureza das perguntas que os fez adultos.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

os habitantes da cidade 12

As folhas     amaciam
Provocam a mistura
O contorno da avenida
Asfalto que se pisa
Odor que se sente.
As folhas    nao se importam
Tempesteadas no alcatrão
Correm o esgoto
Escutam as serenatas        os divórcios do tempo.
Correm
Voam
Correm    correm
Indagam os passos rápidos
As ocasiões cochichadas
No sussuro latente do vizinho embriagado.
Às folhas         pergunta-se
Narra-se a perigrinacao do fiel amante
Dos escritos bocabertos do escrivão
E a voz do politico as resguardam
No tempo da aurora.
As folhas      sabem          questionam o soluço
Sabem da rima
Dos seios da Joana         minha companheira.
Em passos
Apressados                   destimidos
Correm
Voam
Correm    correm          as folhas
Lentamento chegam
Anunciam o alcoice
Aos amavios desta tela.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

os habitantes da cidade 7



" Eu quero conhecer-te melhor,

minha África profunda e imortal...

Quero descobrir-te para alem

do mero e estafado azul

do teu céu transparente e tropical, para alem dos lugares

comuns

com que te disfarçam aqueles que nao te amam

e em ti vêem apenas degrau a mais para escalar!".

Excertos do Poema com o titulo "quero conhecer-te África", de Noemia de Sousa - Sangue Negro. Maputo: AEMO, 2001).

sexta-feira, janeiro 18, 2008

os habitantes da cidade 8

Um dos livros mais emocionantes na literatura Mocambicana é " O regresso do morto", do escritor e professor Suleiman Cassamo. Quando leio sobre o Quenia, sou obrigado a fazer uma viagem aos textos deste escritor, pela dose de humor e ficcao que este escritor atribui as nossas relacoes humanas no quotidiano de fazer um pais. E o Quenia, vai regressar "morto"? ou vive como alguem que foi esquecido pelo tempo e que deixou-se esquecer na distancia da historia e de busca de sobrevivencia?. Magaiça nao sao so as pessoas, mas os paises tambem.
Leia aqui sobre o tema da actualidade em Africa: Quenia. texto de Mukoma Wa Ngugi, publicado na revista chimurenga, onde colaboro ha muitos anos.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

la famba bicha 21 - perguntar para perguntar



"Cheias no centro do país Consumou-se o drama!

O PROGNÓSTICO meteorológico efectuado em Setembro pela SARCOF, uma entidade regional de análise e previsão do tempo, já antevia para a época chuvosa 2007/2008 a ocorrência, no geral, de chuvas acima do normal entre Outubro e Março. Para o caso do nosso país, este indicativo era incidente para o centro durante este período e para Maputo, o norte durante o presente trimestre". Quarta-Feira, 16 de Janeiro de 2008:: Notícias

Quantas perguntas deviam ser construidas com este lead? alguem tem respostas para tantas duvidas?  porque tudo faz parte deste exercicio de perguntar por perguntar, um pais afunda-se, na leveza das perguntas.  

terça-feira, janeiro 15, 2008

la famba bicha 20 - perguntar para perguntar

Em qualquer sociedade a busca de soluções para problemas sociais, devia começar pelas perguntas. As perguntas mais adequadas deviam ser aquelas que ajudam-nos a formular melhor a pergunta. Podíamos chamar a esse exercício de perguntar por perguntar. No quotidiano, na conversa despropositada, somos confrontados com estas perguntas por perguntar. Quando pergunto aos meus colegas o motivo para algumas perguntas a mim dirigidas, respondem-me evasivamente: só perguntei por perguntar.

Existe aqui uma explicação para este exercício de perguntar por perguntar? Será mesmo um exercício de aperfeiçoar a pergunta? Ou será que ainda não temos a certeza da dúvida que nos apoquenta? Será que para formular uma pergunta temos que ter uma dúvida? E essa dúvida precisa de perguntas para ser exteriorizada?

Alguns amigos quando abordados com esta questão, na sua maioria foram unânimes em dizer que ninguém pergunta só por perguntar. Quem faz perguntas quer algo, se não, há gato escondido. Mas respondo que talvez as minhas respostas não foram conclusivas, por isso formularam outras perguntas/duvidas na "cabeça" do indivíduo perguntador. Então há gato escondido, não na resposta do indivíduo perguntador, mas no exercício que nos leva a formular uma pergunta para ser uma pergunta.

sábado, janeiro 12, 2008

os habitantes da cidade 5




A nossa relação com o meio ambiente, é influenciada na sua maioria por contos, romances, histórias, documentários e filmes que “consumimos” no dia dia. A concepção sobre o mundo animal foi “elaborada” no jardim Zoológico de Maputo, ali no Bairro de Jardim. O “macaco João” foi o melhor interlocutor desta descoberta do mundo animal, com a sua “anatomia” e espectáculo aprendi a desvendar minhas crenças com dezenas de colegas meus da escola primária. Com a descoberta do “macaco João” o nosso critério de avaliação comportamento a social era logo denominado de “macaquito João”, o indisciplinado e palhaço.
Mas do que ser um palhaço e indisciplinado o macaco joão era a personagem que habitava o nosso imaginário sobre o outro mundo, da selva. A selva e a floresta sem o “macaco joão” não eram lugares engraçados, que animam. “O macaco joão”, mesmo enjaulado, fazia piruetas e saltos mortais, que a nós outros (humanos) eram proibidos e severamente punidos na escola. Imitar o macaco João era “dar liberdade” aos nossos movimentos e categoricamente ir contra os bons “mandamentos” da disciplina escolar.

Ainda na adolescência assisti ao filme King Kong (1933), que foi um grande fenómeno cinematográfico, inspirado no primeiro “conhecimento” humano sobre o gorila. King Kong não é mais do que uma ampliação exagerada de um gorila, apresentado como um “bicho” e não animal. Uma imagem que foi muitas vezes documentada por vários exploradores das florestas africanas. A maioria dos escritos dos exploradores, o gorila é descrito como um “animal” de se ter medo e respeito. E como sabem os escritos da maioria destes exploradores respondiam a impulsos cognitivos e emocionais, onde os exageros emocionais foram uma constante que acabaram por influenciar o método e investigação científica, na exploração de África. Na base desses exageros a imagem do gorila foi exportada como um animal carnívoro, predador.
Um desses exageros, era a famosa história de que o gorila teria violado sexualmente a companheira do “bom intencionado explorador”, para a compaixão do mundo e a diabolizacão do gorila. O primeiro filme King Kong é produzido na sua maioria na base destes exageros, que também passaram a questionar as minhas certezas sobre o “macaco João”.

Na última produção cinematográfica do king Kong (2005) já somos confrontados com outro argumento que não tem como objectivo mostrar não só os exageros emocionais do “explorador” mas sim a presenca de um apelo emocional aos espectadores. E esta nova produção aparece numa altura em que tenho a minha anterior crenca desmontada e o “macaco joão” morto.
Mas o exagero emocional do “bem-intencionado” explorador teve consequências trágicas não só na exploração cinematográfica do gorila como também no tratamento que foi reservado a este “animal” em algumas sociedades. Documenta-se que o primeiro gorila que chegou aos Estados Unidos da América foi “alimentado” com base numa dieta obrigatória de carne vermelha fresca, afinal um “bicho” tão feio como este só podia ser carnívoro e predador. Não tinham informação de que este “animal” é vegetariano, assim como milhões de “humanos” que hoje identificam-se como vegetarianos.

Então já devem imaginar como foram tratados os primeiros “habitantes” gorilas nos E.U.A., muitos morreram de complicações estomacais e outras complicações de saúde provocadas pela diabolizacão documentada pelos “exploradores” e da influencia da documentação cinematográfica no imaginário de muita gente sobre o meio selvagem e seus habitantes.
O gorila, na foto que acompanha este texto, obrigou-me a revisitar a memória que tinha do “macaco joão” e explorar a forma clássica como o mundo de cinema influência nossas crenças sobre os outros. Assim funcionam os fantasmas de Ruanda.

terça-feira, janeiro 08, 2008

amor de zinco 7

A água desce
cresce
aos poucos levanta
entra
dentro do ventre
entre
as paredes do útero:
outro
dévio da vida,
ainda
desce percorre
corre.
Devagar o óvulo
tolo
engrandece o ventre
adere
ao convívio da célula
que pula
e junto da água
desagua
do ventre outro espaço
possesso,
ouve-se o eclampse
é outra narrativa que se
aborta.



In jorge matine, "Abutres de Amor" ( Ed. Moura pinto, porto, 1999)

segunda-feira, janeiro 07, 2008

os habitantes da cidade 4

Em Kigali

Existem países e cidades em que viajamos devagar, porque não podemos caminhar rápido, a memória impede-nos. Dizem que a história não só usa livros como mensageiros, mas também usa fantasmas. Os fantasmas nasceram da história, como uma lenda para lembrar aos homens do seu passado, não saem da furna só para pregar-nos um susto mas para recordar das nossas obrigações com o futuro, os vivos. Do fantasma aprendemos a ser videntes, adivinhos e porque não curandeiros. Neste pais, viajo devagar, porque perscruto o fantasma que acena, do balão alto como uma gávea num navio afundando, para que sempre aprenda a esgrimir os pergaminhos da história.

Lendo J.Craveirinha no seu Babalaze das Hienas(1997, aemo):

Forrobodó

Ao forrobodó dos tiroteios
E chispar das catanas
Eles devem ter gritado.

Da viatura em chamas
O eco dormiu nos braços do asfalto
Seu mais pesado sono.

Do forrobodó um quase nada:

Apenas o acre odor dos restos
No tempo grelhado.

Assim escreveu sobre nós, este poeta da Mafalala, aqui em Kigali fico pensando o que teria registado poeticamente Craveirinha para conversar com estes fantasmas.

domingo, janeiro 06, 2008

2008 e a critica: O Cromatismo do Pensamento



As vezes, somos confrontados com situações que desafiam a capacidade argumentativa, que justificam as opções que tomamos. Em nome da verdade, esses confrontos “argumentativos” tornaram-se mais religiosos e fanaticamente elaborados, que deitam a baixo qualquer que seja a outra verdade que possa existir.

Herdamos da História esta maneira de analisar os nossos argumentos com o princípio de “preto ou branco”. E a nossa esfera pública foi educada dentro deste princípio histórico de procura de pragmatismo para a acção colectiva. E de acordo com os vários comentários que tenho assistido na imprensa e nos vários palcos de debate, parece que a nossa esfera pública precisa de sair deste princípio “bi-color” de argumentação para um princípio “multi-color”, se quisermos transformar os espaços de debate e de exercício de cidadania mais inclusivo.
Importa referir que esta herança histórica de interpretação de fenómenos sociais, económicos, e ideológicos, no pragmatismo de “preto ou branco”, foi muitas vezes imposta pela ordem mundial durante muitos anos. Até aproximadamente 19 anos atrás o mundo estava dividido em blocos económicos, sociais e ideológicos, traduzidos numa fórmula simples de “nós” e os “outros”.

Que características, a nossa esfera pública, tem desta visão de “preto ou branco”?

Os factos históricos permitem identificar dois períodos distintos de organização social, económica e ideológica da sociedade. O período que vai da independência até a reforma constitucional de 1990 e o período que vai das primeiras eleições multipartidárias até ao presente. O que mais importa aqui, é analisar a transição de um período para outro, a mudança de valores, das teses ideológicas, a noção do estado e de governo, da relação entre o cidadão e a sociedade, do espaço público e da crítica, etc. Mas de uma forma dogmática a necessidade de construir e identificar inimigos ficou. E foi patente verificar como esta herança ficou entre nós, quando analisamos os pronunciamentos e as acções dos actores políticos e não só, durante a primeira campanha eleitoral e a convivência social e económica dos moçambicanos no espaço público durante o período que se seguiu às primeiras eleições gerais. Na esfera pública este fenómeno foi notável na maneira como eram categorizadas as nossas posições públicas sobre qualquer que seja o assunto, se não concordasse com políticas do governo significava que estava ligado à oposição. A esfera pública estava e ainda está influenciada por este princípio de “tomar posição” e não da capacidade de argumentar e debater. Uma situação, no mínimo absurda.

E como resultado desta “cultura ideológica” de tomar posições, assistimos hoje este debate dogmático sobre a posição que um académico deve tomar no debate público e no exercício da ciência. E parece-me que as escolhas que são oferecidas por alguns “iluminados” intelectuais e académicos baseiam-se no princípio do “preto ou branco”. O princípio do “preto ou branco” resulta desta capacidade argumentativa de que o mundo é feito de pragmatismos e posições. O mesmo aplica-se a esta visão dogmática para categorizar o exercício intelectual como sendo da esquerda ou da direita.

Esta maneira de categorizar o pensamento, a ideia, o sonho, a vida, a palavra, dos moçambicanos é muito injusta e antiquada. Não só periga o espaço de debate, como também o futuro do país. A ideia do avanço tecnológico de substituir a imagem a preto e branco para uma imagem colorida (multicolor) no aparelho televisor, resulta desta vontade humana em reconhecer a diversidade e pluralidade das nossas acções e escolhas (por exemplo: nas cores).

Quem não gosta de ver os documentários a preto e branco sobre Samora Machel ou Eduardo Mondlane? Acho que todos queremos ver durante um tempo, mas depois queremos ver os documentários multicolores do “Ver Mocambique”. E todo este exercício traduz-se no debate público. Ver as coisas no princípio preto ou branco traduz-se no esquema “nós” versus “nossos inimigos”, no debate sobre a coisa pública. A intolerância que alguns tem para com: a sociedade civil; a classe política; a transparência em políticas públicas; a protecção ao meio ambiente; a oposição; o governo; o activismo académico, a associação de profissionais, resulta de um pensamento dogmático que impede a livre participação dos moçambicanos no “mercado de ideias”.

E mesmo aqueles que preferem o princípio de “preto ou branco” na compreensão das relações sociais, académicas e económicas dos moçambicanos, tem que saber que não detêm o monopólio do espaço público. Porque esse princípio serve a uma fórmula objectiva e subjectiva de interpretar o mundo, e não tem nada de pragmatismo e metódico, tal como pretendem fazer-nos acreditar. E mais do que promover uma cultura de debate e crítica, promove-se uma “crítica-fobia” nos moçambicanos.

Existe aqui um ponto crucial que vai levar muito tempo para ser compreendido e documentado. Este ponto relaciona-se com a nossa história, porque os interesses de Moçambique na formulação de uma ideologia não nos levam a lado algum. A História mostrou-nos que o interesse dos moçambicanos não pode ser:
1) construído na base de ideologias que mal estudamos e conhecemos;
2) com base em fundamentos académicos que excluem o direito ao exercício da cidadania;
3) negando o desafio da modernidade que está em reconhecer o papel importante da diversidade e da interdisciplinaridade do campo cientifico e
4) a complexidade das instituições e dos problemas sociais e económicos servem de oportunidade para continuamente produzir ideias e crítica no espaço público.

A mudança da imagem a preto e branco para a imagem colorida hoje é reconhecida como um dos importantes símbolos da modernidade. E isto aplica-se a nossa sociedade em relação aos dois períodos históricos acima referenciados. Negar a modernidade no espaço público, significa negar a complexidade e aceitar o mundo de ideias simples “preto ou branco”. E esta maneira dogmática de pensar no meio académico, no espaço público, na classe política, na sociedade civil; poderá ser fatal para nós como um país pobre, num mundo político e economicamente complexo. Porque a realidade não é só multicolor é também de cabeças duras.