terça-feira, abril 01, 2008

A andorinha do Mugabe 3


1- Escrevi aqui e aqui sobre o Mugabe. Continuo pensando na andorinha do Mugabe, e naqueles que interpretaram a minha opinião como uma diabilização ao Mugabe. Hoje somos obrigados a assistir o que todos queriam ver: a forma precipitada para “inventar” uma formula de pensar numa África integrada sem a fragmentar. Assim como aqueles que adoram a andorinha e sem amar a chuva. A meteorologia dos sentidos, penso eu.

2- A meteorologia dos sentidos parece conduzir-nos para um abismo. Transformou algumas intenções de exercício crítico numa escolha entre a diabolização do Mugabe e o recurso ao nacionalismo. As escolhas representam aquilo que menos sabemos fazer neste continente: criar aquilo que Karl W. Deutsch chamou de security community. Este conceito foi aquele que inspirou o acordo de Incomati, o acordo de não agressão assinado entre Samora Machel e o regime do apartheid. Trocar a baioneta pelo diálogo político, e não a troca de baionetas de uma guerrilha em maçãs de um farmeiro bóer.

3- A história repete-se. Não no Zimbabwe, mas no dia-a-dia dos africanos, porque este continente produziu tanto líder que representa(va) o diabo revestido num discurso nacionalista, desde o Bokassa ate ao Idi Amin. O que intriga neste momento é perceber como Mugabe pretende salvar o Zimbabwe, e para isso não precisamos do diabo ou de um nacionalismo que assenta em apelos emocionais, mas de um líder inteligente, pragmático, que possa promover o diálogo entre os elementos radicais de uma oposição farta do regime de mugabe e os elementos mais racionais dentro da zanu-pf.

3 - Para um continente que esta habituado a revoluções ao estilo golpe de estado, não terá chegado a altura de assistirmos a uma nova perestroika no Zimbabwe? Porque só com uma perestroika pode-se garantir que o exercito no Zimbabwe (onde estão os mais radicais elementos da zanu-pf) não tome o poder. Na experiencia da repercursão que a perestroika de Mikhail Gorbachev teve nos paises vizinhos e no bloco sovietico, podemos vir a assistir tambem num futuro muito proximo o impacto da perestroika zimbabweana em alguns paises vizinhos na região.

4 - Agora caros bloguistas imaginem que neste momento a vossa situação social e económica seja esta: tens 84 anos, casada/o com um(a) mulher/Homem 30 ou 40 anos mais jovem do que tu, tens dois filhos menores, governas um pais em crise económica, os teus amigos vem bater a porta para exigir favores, a única pessoa que tem a maior possibilidade de tomar o teu poder não reconhece os teus compromissos com amigos e tua família, os teus vizinhos estão a espera que a morte te visite para distribuírem a tua herança entre eles, e o mundo pensa que estas velho demais enquanto a tua família quer-te poderoso e vigoroso por muito mais tempo, mas a tua inteligência diz que não podes planear as coisas da tua vida privada e publica, a longo prazo, porque não poderás ter vida para ver o resultado.

Usando a meteorologia de sentidos, como poderas resolver este maka da tua vida?

12 comentários:

Reflectindo disse...

Estou acompanhando o que escreves numa maneira de ver os problemas do nosso continente com os próprios olhos e por um sentimento genuino, pelo menos, penso eu. Hoje, mais do que nunca, parece-me que o povo zimbabweano disse que bastava o sofrimento, mas como Mugabe conta com vizinhos que o vêem como o melhor nacionalista africano, a crise pode vir pior. Esses vizinhos não deixarão de ter culpa.

Elísio Macamo disse...

como sempre, jorge, dás largas à tua imaginacao de uma maneira bastante útil. imagina-te como "um líder inteligente, pragmático, que possa promover o diálogo entre os elementos radicais de uma oposição farta do regime de mugabe e os elementos mais racionais dentro da zanu-pf". o que seria necessário para que, uma vez no poder, continuasses assim? nao digas "inteligente, pragmático e promotor de diálogo" porque isso seria circular.

chapa100 disse...

reflectindo! obrigado pela visita, os vizinhos somos nos todos, toda sociedade. o importante neste momento e apelando aqueles que tem responsabilidade politica no nosso pais um maior empenho para que esta crise zimbabweana nao acabe em tragedia.so que a experiencia mostra que precisamos de duplicar os esforcos ate aqui produzido, que permita uma estabilidade a longo prazo e que estas mudancas nao representem so uma ruptura mas uma continuidade para a estabilidade e prosperidade da regiao, o caso chiluba mostrou os temores que a nossa regiao tem pela ruptura ou alternancia politica fora dos movimentos e partidos independentistas da regiao. mesmo que chegue ao poder a MDC temos que proporcionar um ambiente favoravel para a continuidade deste projecto de estabilidade e prosperidade na regiao.

um abraco

chapa100 disse...

caro elisio! obrigado pelo comentario, propoes uma analise sobre a estrutura que permita a continuidade desses atributos que mencionei. o meu ponto esta mais no sentido do individuo, nao negando o contexto social-politico onde este individuo esta inserido, acima de tudo este focus no individuo (individualizacao da relacoes de poder) tem sido um conceito polemico, Mao-ce-tung e Joseph de Maistre sao alguns que tambem negaram este sentido de olhar no individuo . mas interessa-me este sentido de lider ou lideranca que mugabe assume, mais do que uma responsabilidade colectiva ele remete-nos para o espaco do individuo como actor,pensante, que assume que a sua responsabilide como individuo e de assumir a lideranca de uma accao colectiva.


voltando a tua pergunta, nao vou assumir as questoes da moral ou etica politica porque para ti seriam uma resposta circular.

Elísio Macamo disse...

está bem, jorge, assuma as questoes da moral ou ética pública e diga-me o que achas sere necessário para que continues boa pessoa uma vez no poder. estou a interpretar a tua posicao da seguinte maneira: a tragédia africana tem sido a tendência de produzir líderes maus. a minha pergunta é: porquê? porque é que os bons nao chegam ao poleiro? estou com medo de dizer que nao digas que é por causa dos maus... na verdade, estou a tentar aprofundar a tua reflexao. porque é que temos mugabes, idi amins, bokassas, etc.? é algum defeito genético? cultural? social? económico? político? que conselho podemos dar a quem seja que for que substituir mugabe no poder? e como podemos garantir que esse alguém aceite e observe o conselho?

Anónimo disse...

"porque é que os bons não chegam ao poleiro?"

Tenho para mim que o poleiro é que "torna" mau, a quem lá chega. Torna mau ou simplesmente revela o "mau" que já é bem parte de todos nós. Visão pessimista essa minha!

"(i)que conselho podemos dar a quem seja que for que substituir Mugabe no poder? (ii) e como podemos garantir que esse alguém aceite e observe o conselho?"
Tarefa difícil, dolorosamente difícil principalmente no seu segundo aspecto(garantir que o conselho seja observado e aceite)

Abraços
Nelson

Elísio Macamo disse...

caro nelson, enquanto espero pela resposta do jorge gostava de lhe dizer que nao considero a sua visao pessimista. concordo consigo que o poleiro pode tornar mau ou revelar o que já é mau em nós. o sistema democrático assenta no reconhecimento disso, daí, por exemplo, a separacao de poderes. o nosso problema, contudo, é que temos imensas dificuldades em observar essas coisas tao necessárias à limitacao do mal em nós. o nelson diz que é tarefa dolorosamente difícil. concordo. é aí onde comecam os desafios da reflexao. porque é que é tao difícil observar os princípios da democracia entre nós? que condicoes entre nós criam espacos para mugabes? como nos podemos precaver?

chapa100 disse...

caro elisio, desculpa a demora, ando viajando. parece-me a mim que mugabe ainda nao chegou a bokassa e a Idi amin, as razoes sao varias. nos ultimos anos parece que a linha que divide mugabe dos Idis e bokassas ficou mais fina, o mugabe nao chegou "la" porque encontrou uma forte oposicao dos cidadaos e instituicoes zimbabweanas.
a politica nao e feita de gente ma so, existe muito politico serio. e parece-me que para continuar "assim" precisas de viver numa sociedade onde certos valores e principios, como os valores democraticos, sao aceites e respeitados. onde reside o defeito elisio, nao sei. podia tentar especular que o defeito esta na sociedade, nas suas instituicoes que nao sao capazes de produzir gente mais inteligente, capaz, para cargos politicos.
o que nao entendo: mugabe fez uma investimento massivo na expansao do ensino para os zimbabweanos, deu a oportunidade aos zimbabweanos atraves da escolarizacao, uma atitude mais racional e critica em relacao as relacoes sociais, politicas e economicas na sociedade zimbabweana. e parece que mugabe esqueceu que esse investimento "produziu" uma sociedade mais critica, rigorosa, e muito mais autonoma para pensar e fazer por si propria.

Elísio Macamo disse...

caro jorge, a tua resposta satisfaz-me, sobretudo onde tu dizes que mugabe nao chegou lá porque encontrou uma forte oposicao dos cidadaos e instituicoes zimbabweanas. aí estás a formular o grande problema da política em toda a áfrica, mas também em todo o mundo que quer observar a democracia. como fortalecer a cidadania e as instituicoes para que elas se defendam da tirania e do despotismo? é por aí que a nossa reflexao deve entrar, acho.
sobre mugabe e educacao: a uniao soviética, a china e cuba também investiram muito nisso. a china está a colher os benefícios economicamente...

chapa100 disse...

caro elisio! como dizes precisamos formular, os africanos tambem receberam estados dispoticos e tiranos (governos das colonias), isto e, que esta geracao que esta no poder "aprendeu" a formular o estado e suas instituicoes dentro desse quadro historico. por isso achei nos posts que accao de mugabe de proibir as liberdades civicas dos seus cidadaos estaria a enfraquecer a propria sociedade para que no futuro nao se defendam da tirania e do dispotismo.

sobre a educacao e mugabe, concordo com a lista dos paises, mas parece-me que estes paises tem pernas de barro. a formula destes parece-me que acenta numa factura bem mais alta para proporcionar a "certeza" de um sistema infalivel de organizacao de estado.

Anónimo disse...
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Anónimo disse...

"Education is the only way out of darkness". Vi esta passagem num filme recente de Denzel Washington e Forest Whitaker.
As sociedades africanas tem niveis de escolaridade muito baixos, dai o facto de exercermos pouco ou quase nada dos nossos deveres e direitos de cidadania. A questao que eu coloco e' a seguinte: E entao, quem educa o povo??? Ou ele tem que fazer isso por si proprio, da mesma maneira que tem q garantir a sua seguranca, saude, etc??
Ai surge a figura do "Estado" q todos nos gostamos de "acusar". Sera q Africa, depois das lutas de libertacao, se pode orgulhar dos seus governantes? O tao propalado Nacionalismo dos nossos "libertadores" se evaporou logo a seguir a Independencia? Nao sera altura de no's africanos comecarmos a pensar numa nova geracao de lideres, cometidos pelas causas dos seus povos e que nao se preocupem apenas em expandir os seus imperios empresariais uma vez no poder? Lideres q tenham a coragem de dar autonomia necessaria e suficiente as instituicoes judiciais e todas as outras q garantem a soberania das suas nacoes e que aceitem democraticamente o "veredicto" dos seus povos nos pleitos eleitorais?
A maneira como os africanos se apegam ao poder pode ser um indicio de q eles nao estao interessados em resolver os problemas dos seus povos, mas apenas os seus e de seus pares!!
Esta' ai o Mugabe com uma oportunidade soberana de dar um exemplo de democracia, nao ao mundo, mas a no's africanos, mas esperemos pra ver a bagunca que esta' pra vir!! (rogo estar errado)