1- Escrevi aqui e aqui sobre o Mugabe. Continuo pensando na andorinha do Mugabe, e naqueles que interpretaram a minha opinião como uma diabilização ao Mugabe. Hoje somos obrigados a assistir o que todos queriam ver: a forma precipitada para “inventar” uma formula de pensar numa África integrada sem a fragmentar. Assim como aqueles que adoram a andorinha e sem amar a chuva. A meteorologia dos sentidos, penso eu.
2- A meteorologia dos sentidos parece conduzir-nos para um abismo. Transformou algumas intenções de exercício crítico numa escolha entre a diabolização do Mugabe e o recurso ao nacionalismo. As escolhas representam aquilo que menos sabemos fazer neste continente: criar aquilo que Karl W. Deutsch chamou de security community. Este conceito foi aquele que inspirou o acordo de Incomati, o acordo de não agressão assinado entre Samora Machel e o regime do apartheid. Trocar a baioneta pelo diálogo político, e não a troca de baionetas de uma guerrilha em maçãs de um farmeiro bóer.
3- A história repete-se. Não no Zimbabwe, mas no dia-a-dia dos africanos, porque este continente produziu tanto líder que representa(va) o diabo revestido num discurso nacionalista, desde o Bokassa ate ao Idi Amin. O que intriga neste momento é perceber como Mugabe pretende salvar o Zimbabwe, e para isso não precisamos do diabo ou de um nacionalismo que assenta em apelos emocionais, mas de um líder inteligente, pragmático, que possa promover o diálogo entre os elementos radicais de uma oposição farta do regime de mugabe e os elementos mais racionais dentro da zanu-pf.
3 - Para um continente que esta habituado a revoluções ao estilo golpe de estado, não terá chegado a altura de assistirmos a uma nova perestroika no Zimbabwe? Porque só com uma perestroika pode-se garantir que o exercito no Zimbabwe (onde estão os mais radicais elementos da zanu-pf) não tome o poder. Na experiencia da repercursão que a perestroika de Mikhail Gorbachev teve nos paises vizinhos e no bloco sovietico, podemos vir a assistir tambem num futuro muito proximo o impacto da perestroika zimbabweana em alguns paises vizinhos na região.
4 - Agora caros bloguistas imaginem que neste momento a vossa situação social e económica seja esta: tens 84 anos, casada/o com um(a) mulher/Homem 30 ou 40 anos mais jovem do que tu, tens dois filhos menores, governas um pais em crise económica, os teus amigos vem bater a porta para exigir favores, a única pessoa que tem a maior possibilidade de tomar o teu poder não reconhece os teus compromissos com amigos e tua família, os teus vizinhos estão a espera que a morte te visite para distribuírem a tua herança entre eles, e o mundo pensa que estas velho demais enquanto a tua família quer-te poderoso e vigoroso por muito mais tempo, mas a tua inteligência diz que não podes planear as coisas da tua vida privada e publica, a longo prazo, porque não poderás ter vida para ver o resultado.
Usando a meteorologia de sentidos, como poderas resolver este maka da tua vida?
12 comentários:
Estou acompanhando o que escreves numa maneira de ver os problemas do nosso continente com os próprios olhos e por um sentimento genuino, pelo menos, penso eu. Hoje, mais do que nunca, parece-me que o povo zimbabweano disse que bastava o sofrimento, mas como Mugabe conta com vizinhos que o vêem como o melhor nacionalista africano, a crise pode vir pior. Esses vizinhos não deixarão de ter culpa.
como sempre, jorge, dás largas à tua imaginacao de uma maneira bastante útil. imagina-te como "um líder inteligente, pragmático, que possa promover o diálogo entre os elementos radicais de uma oposição farta do regime de mugabe e os elementos mais racionais dentro da zanu-pf". o que seria necessário para que, uma vez no poder, continuasses assim? nao digas "inteligente, pragmático e promotor de diálogo" porque isso seria circular.
reflectindo! obrigado pela visita, os vizinhos somos nos todos, toda sociedade. o importante neste momento e apelando aqueles que tem responsabilidade politica no nosso pais um maior empenho para que esta crise zimbabweana nao acabe em tragedia.so que a experiencia mostra que precisamos de duplicar os esforcos ate aqui produzido, que permita uma estabilidade a longo prazo e que estas mudancas nao representem so uma ruptura mas uma continuidade para a estabilidade e prosperidade da regiao, o caso chiluba mostrou os temores que a nossa regiao tem pela ruptura ou alternancia politica fora dos movimentos e partidos independentistas da regiao. mesmo que chegue ao poder a MDC temos que proporcionar um ambiente favoravel para a continuidade deste projecto de estabilidade e prosperidade na regiao.
um abraco
caro elisio! obrigado pelo comentario, propoes uma analise sobre a estrutura que permita a continuidade desses atributos que mencionei. o meu ponto esta mais no sentido do individuo, nao negando o contexto social-politico onde este individuo esta inserido, acima de tudo este focus no individuo (individualizacao da relacoes de poder) tem sido um conceito polemico, Mao-ce-tung e Joseph de Maistre sao alguns que tambem negaram este sentido de olhar no individuo . mas interessa-me este sentido de lider ou lideranca que mugabe assume, mais do que uma responsabilidade colectiva ele remete-nos para o espaco do individuo como actor,pensante, que assume que a sua responsabilide como individuo e de assumir a lideranca de uma accao colectiva.
voltando a tua pergunta, nao vou assumir as questoes da moral ou etica politica porque para ti seriam uma resposta circular.
está bem, jorge, assuma as questoes da moral ou ética pública e diga-me o que achas sere necessário para que continues boa pessoa uma vez no poder. estou a interpretar a tua posicao da seguinte maneira: a tragédia africana tem sido a tendência de produzir líderes maus. a minha pergunta é: porquê? porque é que os bons nao chegam ao poleiro? estou com medo de dizer que nao digas que é por causa dos maus... na verdade, estou a tentar aprofundar a tua reflexao. porque é que temos mugabes, idi amins, bokassas, etc.? é algum defeito genético? cultural? social? económico? político? que conselho podemos dar a quem seja que for que substituir mugabe no poder? e como podemos garantir que esse alguém aceite e observe o conselho?
"porque é que os bons não chegam ao poleiro?"
Tenho para mim que o poleiro é que "torna" mau, a quem lá chega. Torna mau ou simplesmente revela o "mau" que já é bem parte de todos nós. Visão pessimista essa minha!
"(i)que conselho podemos dar a quem seja que for que substituir Mugabe no poder? (ii) e como podemos garantir que esse alguém aceite e observe o conselho?"
Tarefa difícil, dolorosamente difícil principalmente no seu segundo aspecto(garantir que o conselho seja observado e aceite)
Abraços
Nelson
caro nelson, enquanto espero pela resposta do jorge gostava de lhe dizer que nao considero a sua visao pessimista. concordo consigo que o poleiro pode tornar mau ou revelar o que já é mau em nós. o sistema democrático assenta no reconhecimento disso, daí, por exemplo, a separacao de poderes. o nosso problema, contudo, é que temos imensas dificuldades em observar essas coisas tao necessárias à limitacao do mal em nós. o nelson diz que é tarefa dolorosamente difícil. concordo. é aí onde comecam os desafios da reflexao. porque é que é tao difícil observar os princípios da democracia entre nós? que condicoes entre nós criam espacos para mugabes? como nos podemos precaver?
caro elisio, desculpa a demora, ando viajando. parece-me a mim que mugabe ainda nao chegou a bokassa e a Idi amin, as razoes sao varias. nos ultimos anos parece que a linha que divide mugabe dos Idis e bokassas ficou mais fina, o mugabe nao chegou "la" porque encontrou uma forte oposicao dos cidadaos e instituicoes zimbabweanas.
a politica nao e feita de gente ma so, existe muito politico serio. e parece-me que para continuar "assim" precisas de viver numa sociedade onde certos valores e principios, como os valores democraticos, sao aceites e respeitados. onde reside o defeito elisio, nao sei. podia tentar especular que o defeito esta na sociedade, nas suas instituicoes que nao sao capazes de produzir gente mais inteligente, capaz, para cargos politicos.
o que nao entendo: mugabe fez uma investimento massivo na expansao do ensino para os zimbabweanos, deu a oportunidade aos zimbabweanos atraves da escolarizacao, uma atitude mais racional e critica em relacao as relacoes sociais, politicas e economicas na sociedade zimbabweana. e parece que mugabe esqueceu que esse investimento "produziu" uma sociedade mais critica, rigorosa, e muito mais autonoma para pensar e fazer por si propria.
caro jorge, a tua resposta satisfaz-me, sobretudo onde tu dizes que mugabe nao chegou lá porque encontrou uma forte oposicao dos cidadaos e instituicoes zimbabweanas. aí estás a formular o grande problema da política em toda a áfrica, mas também em todo o mundo que quer observar a democracia. como fortalecer a cidadania e as instituicoes para que elas se defendam da tirania e do despotismo? é por aí que a nossa reflexao deve entrar, acho.
sobre mugabe e educacao: a uniao soviética, a china e cuba também investiram muito nisso. a china está a colher os benefícios economicamente...
caro elisio! como dizes precisamos formular, os africanos tambem receberam estados dispoticos e tiranos (governos das colonias), isto e, que esta geracao que esta no poder "aprendeu" a formular o estado e suas instituicoes dentro desse quadro historico. por isso achei nos posts que accao de mugabe de proibir as liberdades civicas dos seus cidadaos estaria a enfraquecer a propria sociedade para que no futuro nao se defendam da tirania e do dispotismo.
sobre a educacao e mugabe, concordo com a lista dos paises, mas parece-me que estes paises tem pernas de barro. a formula destes parece-me que acenta numa factura bem mais alta para proporcionar a "certeza" de um sistema infalivel de organizacao de estado.
"Education is the only way out of darkness". Vi esta passagem num filme recente de Denzel Washington e Forest Whitaker.
As sociedades africanas tem niveis de escolaridade muito baixos, dai o facto de exercermos pouco ou quase nada dos nossos deveres e direitos de cidadania. A questao que eu coloco e' a seguinte: E entao, quem educa o povo??? Ou ele tem que fazer isso por si proprio, da mesma maneira que tem q garantir a sua seguranca, saude, etc??
Ai surge a figura do "Estado" q todos nos gostamos de "acusar". Sera q Africa, depois das lutas de libertacao, se pode orgulhar dos seus governantes? O tao propalado Nacionalismo dos nossos "libertadores" se evaporou logo a seguir a Independencia? Nao sera altura de no's africanos comecarmos a pensar numa nova geracao de lideres, cometidos pelas causas dos seus povos e que nao se preocupem apenas em expandir os seus imperios empresariais uma vez no poder? Lideres q tenham a coragem de dar autonomia necessaria e suficiente as instituicoes judiciais e todas as outras q garantem a soberania das suas nacoes e que aceitem democraticamente o "veredicto" dos seus povos nos pleitos eleitorais?
A maneira como os africanos se apegam ao poder pode ser um indicio de q eles nao estao interessados em resolver os problemas dos seus povos, mas apenas os seus e de seus pares!!
Esta' ai o Mugabe com uma oportunidade soberana de dar um exemplo de democracia, nao ao mundo, mas a no's africanos, mas esperemos pra ver a bagunca que esta' pra vir!! (rogo estar errado)
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