quinta-feira, fevereiro 07, 2008

la famba bicha 26 - manifestacoes em maputo

Prezado Chará*

Estou de férias e vou reflectindo sobre as manifestações "num estilo" preguiça, lendo aquilo que não me rouba tempo e aquilo que durante a jornada de trabalho não leio. Por isso o meu primeiro comentário foi muito no sentido de "apadrinhar" a reflexão do Fanhana. O problema do pensamento “via rápida” está na forma ousada de apresentarmos "o final" das coisas e não "o processo" das coisas. Concordo consigo que parti para uma reflexão conclusiva, errei e devia ter começado de outra forma: pelas perguntas, que conduzem-nos a entender o processo.
Chará gozando, por causa das férias, não vou poder reflectir nas perguntas, com o método necessário, mas não poderia deixar de levantar aqui alguns pontos:

1- Existe aqui uma crise de (re) adaptação, que resulta de contradições interpretativas "do espaço e tempo" no processo de transferência da "visão e organização social" dos moçambicanos, do meio rural para o meio urbano, da aldeia para a cidade, da relação com o vizinho para a relação com repartição pública, de um sistema produtivo e de solidariedade familiar para um sistema produtivo anónimo e individualista, etc. Parece-me que ignorar os fenómenos de transição ou os espaços de negociação pode resultar em conflito identitário, na aceitação da ideia do futuro.

2- Dentro do espaço “identitário moçambicano" de ponto de vista de desenvolvimento social e económico, como identificar a ideia do progresso e ou da modernidade. Estes dois conceitos nunca chegaram a definir uma "coisa" concreta em muitas sociedades, nós aqui deste lado do "sul do hemisfério" foi nos apresentado o que seria transformar as nossas massas populares agrárias para o nível de uma "indústria progressiva". Como se faz isso? Quem faz isso? A ideia do progresso e ou da modernidade parece que ainda não foi melhor formulada dentro da nossa sociedade.

3- A ideia do progresso e ou de modernidade requer uma “visita critica” às nossas certezas e crenças. Problematizar as coisas, a nossa cultura, organização social, a ideia do "espaço moçambicano", sistema político, as nossas ideologias, a nossa capacidade técnica, vontade, gostos,...

4 - Parece-me que por um lado, Moçambique soube usar a "vontade" como uma condição primária para o progresso. Tivemos esta forma “brilhante” de apresentar aos outros este nosso "capital de vontade" e em troca recebemos técnicas, estratégias, políticas, fórmulas,...sem nenhum questionamento crítico. A questão da integração regional revela essa cultura de "capitalizar a vontade".

5 - O que “isto” tem haver com as manifestações? Não sei!. Penso que Moçambique tem muitos problemas, teve no passado e tem-nos agora. Tal como a vontade de ontem e a vontade de hoje. De que temos problemas todos concordamos, agora se esses problemas estão melhor identificados e formulados, parece que todos temos "a vontade" de dizer que sim. Quer a "vontade" e os problemas atingiram um ponto crítico, exacerbados pela problemática maneira como "capitalizamo-los" sem os problematizar.

6 - A incapacidade de resolver os problemas, mesmo com tanta vontade que temos, reside na razão de que os moçambicanos, de todas as classes sociais, tem falta de conhecimento e capacidade para compreender as causas e produzir soluções para os problemas sociais. Chará, tento há vários anos encontrar nos vários relatórios produzidos sobre as causas da pobreza em Moçambique, um denominador comum. Nada, não há consenso sobre a prioridade dos nossos problemas. A prioridade "fabrica-se" de acordo com a tabela da "vontade" e da disposição daqueles que nos "ajudam".

7- E parece-me que os critérios para identificar a prioridade dos problemas do país, esta inserido no contexto das transições do espaço e tempo, referidos no primeiro ponto. Temos uma dificuldade enorme, em distinguir problemas pessoais de problemas sociais. Encontrar uma linha divisória entre estes dois "mundos" só pode ser possível se desenvolvermos um pensamento critico. Encontrar a linha divisória destes dois mundos ajuda-nos a encontrar a fotografia do país, reflectir Moçambique. E não deve ser difícil encontrar na nossa sociedade problemas pessoais que tentamos transformá-los em problemas sociais de todo Moçambique, em todas classes sociais.

8 – Chará já me alonguei, e para terminar vou pegar nas manifestações em Maputo. O chapa100 tem muita "arrogância": encurta rotas sem prévio aviso, não respeita a lotação de passageiros, corta prioridade, não aceita nenhum conselho do passageiro, não respeita sinal de trânsito, música alta até onde viajam pessoas doentes, etc. Para mim isto caracteriza um arrogante, ele só existe porque os interesses dele existem. Mas esta arrogância "existe" numa estrutura político-administrativa que tolera isso. O chapa100 simboliza "um poder autoritário". O outro ponto que precisamos reflectir tem haver com os símbolos da modernidade e do progresso: em muitas zonas periféricas de Maputo, o chapa100 faz esta ligação entre a "periferia de tudo" e o "centro de tudo", entre o velho e o moderno, entre os que tem e os que não tem, entre os problemas pessoais e os problemas sociais de Maputo, entre o mundo abstracto (vontade) e o mundo concreto (realização). Existem bairros onde não existe polícia, posto médico, escola, água potável, etc. Mas lá passa o chapa100. Existem bairros onde as vias parecem intransitáveis mas lá passa o chapa100.

9 – Chará, para mim estas manifestações obrigam-me a fazer mais perguntas. Só que não fiquei assustado com as manifestações, mas sim com reacções, nos vários blogues e fóruns na internet. As reacções revelam uma apetência profunda em "capitalizar vontades" sem problematizar mais os nossos problemas. O preço do petróleo e do trigo subiu no mercado, e vai continuar a subir. Tal como amanha vai subir o preço do arroz, do papel, do ferro, da água, da madeira, do algodão, da electricidade, etc. Os países mais desenvolvidos tem um "sistema de almofadas", que minimiza o impacto social, porque eles tem instrumentos fiscais e monetários a dispor, e uma reserva económica robusta. Moçambique é um pais pobre, com uma elite politica-empresarial tecnicamente mal preparada, com políticas e estratégias macroeconómicas dependentes do "bem intencionado" parceiro internacional. Tudo isto parece complicado Chará, e deve ser muito complicado mesmo. Há muitas décadas atrás uns achavam que a esta altura estaríamos a viver o progresso e a modernidade na sua plenitude no mundo. enganaram-se? Não sei.

Entao chará, qual é a sua ideia?
* Jorge Nguele, em relacao ao debate sobre manifestacoes no mocambiqueonline.

1 comentário:

Anónimo disse...

como sempre chapa, voce "provoca" muito. mas deu para entender que temos que estudar bem a nossa sociedade, gostei da tua maneira de escrever, sabes ler com palavras pensamentos escondidos em muita gente e a tua reflexao abre novos debates para entender o problema da nossa realidade.

menezes