segunda-feira, maio 19, 2008

The social fabric e uma andorinha 5

Decorre um debate “quente” e de surdos sobre O HIV/SIDA em mocambique. O fenômeno mais interessante deste debate, tem sido a pura manifestação de soluções aspirinas para fazer face a problemas estruturais do sector de saude. Uma das soluções aspirinas que caracteriza este debate de surdos foi a famosa acção de mandar “encerrar” ou “integrar” os Hospitais dia em todo país nos serviços nacionais de saúde. Alega-se que os hospitais do dia fomenta(va)m a "discriminação dos seropositivos”. Mas aqui surge a primeira questão, como se manifesta essa discriminação nos hospitais do dia? Porque onde existe “uma” há lugar para duas questoes, como se justifica que passados vários anos um serviço clinico-terapêutico e de apoio psico-social funcione em quase todo o pais fora do serviço nacional de saúde? O que significa integrar ou encerrar um servico de saude?

E quando todas estas questoes acima mencionadas adiciona-se a famosa ordem de mocambicanizar a estratégia de "prevenção ao HIV/SIDA" em resposta a fraca resposta da estratégia ate aqui adotada, fico com mais duvidas sobre o rigor do debate sobre o que queremos do nosso sistema de saúde em mocambique, acho que algumas pessoas estao a conduzir o PR para um abismo. Existe uma relação comunicativa entre mocambicanizar a mensagem e consumir mocambicano? Ou melhor qual é a diferença entre a palavra de ordem mocambicanizar e made in Mocambique? Isto num contexto (1) de problemas estruturais do pais e (2) da ordem mundial no questionamento da responsabilidade e eficiencia do estado na provisão de serviços e garantia de cuidados básicos de saúde.

Não pretendo aqui encontrar respostas, mas reflectir acima daquilo que se pede no debate de surdos. Porque um debate de surdos? Porque todos falam e ninguém escuta. Falar do HIV/SIDA em mocambique é falar de saúde no âmbito colectivo, isto é, dos processos colectivos que acompanham os momentos de saúde, doença, sofrimento e morte. E é dentro deste processo colectivo que reclama-se do estado a responsabilidade na provisão de bens e serviços para atender as necessidades de saúde da sua população.

Para aqueles que gostam de discutir o sexo dos anjos, este post não presta, porque não pretende discutir aqui o paradigma da “pobreza absoluta” no campo da saúde , porque para nós formados no campo de medicina social o “combate a pobreza absoluta” não permite construir um marco teórico-conceitual credivel que possa sustentar a introdução de um novo paradigma científico que sustente novas practicas, como esta de mocambicanizar as mensagens. Chamo atenção para o debate que esta acontecendo no blog do Patrício Langa sobre o “ensino técnico-vocacional”, apesar de ter reservas sobre algumas conclusões do patrício, mas concordo com ele quanto a existencia de alguns elementos de natureza conceitual e metodológica, estruturantes do campo da educação, que estão a ser ignorados para a compreensao e superação do problema da educação em África, particularmente em mocambique. O mesmo aconteceu na área de saúde com o famoso “saúde para todos”.

Como dizia no principio deste post, existe um debate de surdos bastante interessante. Mas seria importante conhecer as características deste debate, porque existem elementos mais que suficientes que mostram a “disfunção” da esfera publica no debate sobre políticas publicas. Existem elementos de natureza ideológico da função hegemonica do estado na provisão de serviços de saúde e por outro lado uma consequente presenca da “nova ordem de desenvolvimento” que introduziu elementos ( por exemplo a ONG-nalização de serviços de saúde) de concorrência contra a hegemonia do estado na provisão de serviços de saúde, que mostram a tensão existente entre o governo e actores não governamentais em definir políticas, estratégias, prioridades e modelos de gestão/organização dos serviços de saúde.

Um factor determinante a analisar neste campo de tensao é o desequilíbrio de poder entre o MISAU e as associações de serepositivos que opõem-se a iniciativa do ministério, na anunciada ordem de “encerrar” ou “integrar” hospitais do dia no SNS. Este desequilíbrio de poder, resulta também desta “tensão” bem mais profunda do conflito ideológico sobre a função e os limites da hegemonia do estado, entre o ministério e as ONGs. Os serepositivos neste contexto deviam representar a utente ou o beneficiario dos serviços do “hospital do dia”, mas no contexto mocambicano eles representam o objecto complexo que é saúde-doença-cuidados no campo retórico e pratico da saúde e da sociedade. Mishler (1984) identificou dois tipos de discursos no campo de medicina, que muito bem caracterizam este desequilíbrio de poder, (1) o discurso da medicina que representa o sentido técnico-científico da medicina ( que muito bem encaixa na justificao do ministro para acção tomada) , e (2) o discurso do mundo da vida que representa a atitude natural da vida diária das pessoas (o papel que os hospitais do dia desempenham na expansão dos cuidados domiciliarios e no apoio psico-social incondicional que deve-se dispensar ao doente).

Dentro deste quadro aqui apresentado, assistimos a um debate disfuncional onde os objectivos do ministro e dos “serepositivos” são apresentados como um postulado de uma “luta” ideológica e pelo control de sistemas colectivos de saude-doenca-cuidado e não pela qualidade de serviços prestados. Mas aqui há um factor que não esta a ser equacionado, que é o papel que cada um destes actores (estado, ONGs e a associação de serepositivos que representam todo o utente de serviços de saúde) deve desempenhar num contexto de avaliação critica das possibilidades de cooperação (entre o estado e a sociedade) na superação da crise do sistema de saúde em Mocambique. O mesmo pode-se dizer deste discurso perigoso sobre a ineficácia da estratégia de combate ao HIV/SIDA, que sem evidencias de um conhecimento transdisciplinar sobre o mesmo já avança respostas para mocambicanizar a mensagem (destacando componentes políticos) sem melhor articular novos paradigmas científicos sobre a complexidade da saúde-doença-cuidado no contexto mocambicano.


O próximo post, se o Espírito de nao-deixa-blogar deixar, vou abordar o desequilíbrio de poder entre o MISAU e a associação de serepositivos, que não só transforma os serepositivos em “vitimas” da luta ideológica entre o estado e as ONGs, mas que a nível de base (providencia de serviços de saúde) esse desequilíbrio de poder entre o serepositivo e o pessoal da saúde nos hospitais do dia resulta de um problema de comunicação ( e não de estigmatizacao) entre os provedores e o utente do “hospital do dia”.

3 comentários:

Bayano Valy disse...

matine,
boa... nessa de discriminação ou não discriminação ocorre-me perguntar se não podemos considerar as clínicas privadas de discriminatórias. depois desta postagem sou compelido a escrever algo sobre comunicar o hiv e sida

chapa100 disse...

bayano! ha muita coisa que merece ser exclarecida, so acho que esta coisa de que temos que acelerar o passo esta obrigando alguns governantes a "disparar" sem primeiro identificar o "inimigo". mas eu ate gosto de alguns "disparos" do ministro da saude, permite-nos aperfeicoar o nosso conhecimento sobre a natureza das intervencoes governamentais, nisso este ministro tem ajudado. peca quando parte para decisoes sem exlicar correctamente o que pretende, esquece que a saude e uma comodidade bem mais complexa num pais pobre como o nosso. agora sobre as clinicas privadas podiamos escrever outro post. mas deixo aqui ficar que o debate das clinicas privadas tem haver com um problema de politica de saude e outro de gestao de sistema de saude que deve responder as exigencias da propria sociedade. mas a accao do ministro tem "razoes" plausiveis em termos de principio de universalidade no acesso a servicos publicos, mas neste caso o ponto importante tem haver com o papel regulador do estado em actividades que sao de ambito privado-publico. agora porque as clinicas funcionam nos hospitais pulicos? ai acho que ha uma dose de manipulacao, as clinicas privadas podem funcionar em edificios ou espacos publicos, poderiamos falar de servicos "mistos", as vezes chamamos de policlinicas. mas ai esta, falta regular isso, como tambem o relacionamento que tem as universidades medicas com os hospitais publicos, hospital universitario. isso implicaria mudar a nossa politica de financiamento publico, os diplomas governamentais sobre instituicoes de tutela ou subordinadas, e a lei que regula os funcionarios do estado. o mesmo "estilo" do minitro em lidar com o problemas das clinicas privadas, quer aplicar com o hospitais do dia, e ainda nao explicou a relacao que existe nessa sua vontade, e deixa muita gente perplexa porque o estado quer assumir servicos que nao tem capacidade de gerir sozinha, afastar as ongs e associacoes de serepositivos na gestao deste servico o utente sai a perder. voltarei no proximo post para reflectir como o ministerio. os desmandos na area do "HIV/SIDA" sao bem mais profundos e complexos, que o ministerio pegou o alvo mais fraco.

Anónimo disse...

Alo grande gostaria que trocassemos experiencias eu leio o teu blog sempre.
Veja o meu em www.jornalismomocambicano.blogspot.com

Um abraco