sexta-feira, dezembro 28, 2007

la famba bicha 20 - pha karingana 2

1- Ainda nesta senda de debate e observações sobre a moçambicanidade e seus contornos no imaginário do moçambicano, convido os leitores do chapa100 a deliciarem-se deste texto retirado neste blogue.

2- A primazia do indivíduo sobrevive na construção do “outro”, na busca de lugares comuns, usando os estímulos do emocional ou do cognitivo. No último post falávamos da competência, da sua importância, para lidar-mos com o diálogo do mundo social. A maioria das competências por nos usadas resultam da convivência social num espaço cultural determinado.
O espaço cultural foi e é sempre polémico. As fronteiras da cultura delimitam os espaços de negociação da nossa visão do mundo, as vezes com mais intensidade ditadora, outras com mais diálogo democrático. Como enquandrar o exercício de desabafar no espaço cultural moçambicano? Existe uma condição cultural para o desabafo?

Existem aqui questões culturais, relacionadas com o ritual do uso da língua e a cultura acústica que acompanha nosso pensamento dialogante, que podem permitir formular melhor as perguntas acima referenciadas.
Li já faz muito tempo um ensaio de Barthes “ The rethoric of the image” (1984) que foi uma grande contribuição para o estudo da significacao da imagem fotográfica na construção do “outro”. Barthes estuda no seu ensaio os processos internos de significação e trás várias questões em relação ao diálogo entre o nível denotativo e nível conotativo. O desabafo não sendo uma imagem fotográfica, como nos sabemos, não deixa de sofrer a mesma influência denotativa ou conotativa por parte de quem presencia um desabafo.
A busca do nível denotativo no desabafo seria procurar a sua razão e função objectiva, analisando os elementos básicos que o definem como desabafo. Entao que razoes objectivas sao essas que podemos identificar fora do ritual da lingua e da cultura acustica, que permitem determinar qual dos desabafos é bom ou mau.


terça-feira, dezembro 25, 2007

homenagem a Cuvilas

Este Dezembro. Morreu baleado o coreógrafo, bailarino e professor Augusto Cuvilas. Foi morto por uma bala, vinda de um policia. Cuvilas pediu socorro, e foi socorrido roubando-lhe a vida. Digo roubando, porque esta morte representa para muitos que conviveram com Cuvilas um roubo, igual a muitos que temos sofridos nesta cidade de Maputo. Escrevi num dos post como rouba-se a vida em Maputo.
Conheci Cuvilas como um jovem de bom gosto, estas coisas discutíveis na vida, mas na arte muito apeticiveis. Maputo tem esta magia de ser uma aldeia para jovens amantes e fazedores da arte, todos inspiramo-nos debaixo do mesmo sol, da mesma acácia, do mesmo bocado de conversa e de acontecimentos artisticos que acontecem no dia-dia. Cuvilas estava sempre onde aconteciam coisas boas, a sua presenca servia de um enunciado de uma noite maravilhosa, artisticamente trabalhada, original no sentido de que emprestava de nos um singular soneto de sentidos numa multidão de olhares e movimentos. Assim, aprendi com Cuvilas a respeitar as pequenas catedrais de arte, onde religiosamento falavamos deste ego que acompanha os artistas. Um ego que tem de igual uma barriga de cegonha, cheia de fantasia, e de uma realidade que so pertencia a cada um de nos, os artistas. Nessas pequenas catedrais, aprendemos a trabalhar nossa inspiração na musica, na escrita, na dança, na pintura, na escultura, no cinema. E Cuvilas escutava mais do que falava, era esse o seu sentido de observar, para ele interessava a nossa mímica, nossos gestos intermitentes, voadores, para expressar nossa fala.
Por isso, tristemente, recordo-me dos seus espectáculos, da invulgar forma de invadir nossa realidade, com movimentos tão seguros de ritmos e pureza, da sua rasta musculosa como os braços que contornam a sombra da luz. A intensidade com que trabalhava a dança africana, mostrando a indiscutível beleza que nossas danças tem para falar do mundo. Assim conheci Cuvilas. Deixou-nos com uma quantidade de coisas para catalogar, escrever e fazer dos palcos o mundo dos vivos.

Cuvilas, vai com paz e poderemos talvez se uma bala deixar, continuar aqui nas pequenas catedrais que tu bem deixaste.

Veja nos próximos post do blogue mãos de moçambique, uma homenagem a vida e obra deste jovem bailarino e coreografo.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

La famba bicha 19 - pha karingana 1

O contacto social requer competências, alguns chamam de habilidades sociais. Vezes ha que confundimos essa competência como um dom, uma característica de génios. Numa definição patológica, uma pessoa é normal quando consegue iniciar um contacto e terminar-lo, comunicar, dialogar, exigir, pedir ajuda, oferecer ajuda, procurar trabalho, iniciar relacoes, iniciar uma família, cuidar e educar crianças/filhos. Todas estas características do homem normal requerem competências que nao sao adquiridas de forma automática, aprendemos sobre elas imitando os vários modelos sociais que connosco interagem na vida de criança e adolescência. Quando adulto, assumindo vários papeis sociais, descobrimos que muita destas competências que nos fazem individuos normais nao estão presentes em nos. descobrimos que somos deficitários, incompletos ou mesmo ausentes.O deficit destas competências influencia a nossa relação com o mundo social. E como adultos procuramos remediar ou adicionar o que falta das nossas competências. Por isso a sociedade "inteligente" inventou e proporciona vários cursos especializados de aumento e aprendizagem de competências sociais, biológicas e económicas deficitárias.

A questão que colocamos, na vivência do mundo adulto, relaciona-se com a nossa competência para dizer certas coisas, transformar coisas "intimas" em publicas. E ai a questão coloca-se: como comunicar o nosso pensamento, o seu sentido humano, a nossa fala pessoal em um pensamento dialogante, capaz de expressar e comunicar sobre "outros" e sobre as "coisas" numa esfera publica como a nossa. E porque que algum pensamento dialogante pode ser uma critica social e outro "pensamento" um desabafo? que competências a nossa sociedade oferece para que produzamos diálogos fora do senso comum? E este exercício de dialogar deve resultar num eclipse da razão? E como identificamos verdades simples, sera so verdade que constroi-se no processo dialogante?

Com esta pequena reflexão nao pretendo negar a existência de outros espaços “avançados” onde certas verdades e competências argumentativas sao produzidas e rotuladas. O que intrigou a minha reflexão foi o exercício rápido como alguns círculos aceitaram a critica feita ao álbum e as letras do azagaia como um desabafo. Durante a adolescência o desabafo foi aprendido como um exercício de libertação espiritual e físico. Estava ausente qualquer teoria de ciência terapêutica ou psicoanalitica que sustentasse o recurso ao desabafo para libertar-se de algo. O desabafo podia ser um exercício de demonstração de competências argumentativas ruidosas, como também servia para mostrar uma socialização de competências sociais para aliviar ou libertar "magoas" sociais. O exercício de desabafar na sua maioria, estava ligado a um ritual bem interiorizado de libertação de sentimentos negativos, intermitentes ou bloqueadores da realização espiritual ou material.

E neste exercício foram criadas varias categorizacoes do desabafo, o desabafo bom e ou o desabafo mau. Os critérios para esta categorização nao foram escolhidos dentro de um pensamento terapêutico, ou de realização individual. Aqui nao interessava a libertação do individuo, mas os espaços e as pessoas atingidas pelo desabafo. Esta categorização surgiu nao como um exercício neutro de categorização subjectiva, mas como uma expansão dos mecanismos de controle social, incluindo seus rituais e instituicoes, para espaços ate então considerados íntimos, individuais. Esta categorização também vem legitimar a entrada deste exercício individual de desabafar para espaços públicos.
Como mencionado anteriormente, a maneira como lidamos com as coisas do fórum individual e publico, mostra o nível de competências que temos. A competência realiza-se na maneira como armamos o espaço cognitivo e emocional do individuo. O desabafo, nao escapa a influencia destes dois espaços. Então o desabafo, nao resulta de espaços neutros, ele responde a chamamentos emocionais ou cognitivos. O próximo post talvez, reflectiremos sobre os espaços emocionais, que temos na nossa esfera publica. Uma relação humorística e picante caracteriza a maneira como descrevemos “o produto dialogante” resultante do casamento entre o espaço cognitivo e espaço emocional. Assistimos a expressoes do "quotidiano dialogante", tais como: este individuo espalha-se muito, nao diz coisas com coisas, falou bem mais saiu da estrada, pela boca morre o peixe, etc.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

a vida sem mais 1

ouripota, vera gomane e patricio langa (o silencio que fala)
Um país conhece-se na imaginação que temos dele. A sua geografia é explorada no passeio longo que nossa curiosidade experimenta, no diálogo com os livros, lugares, noticias, contos e alguns desencontros humanos. Estes passeios são tão profundos como o primeiro passeio com uma mulher. Somos estrangeiros da nossa própria vida. E não é a beldade que nos inquieta mas a desorganizada manifestação que nossos sentidos tomam. A bússola que desconhece o bocadinho que já é amor.
Na imaginação do país perfeito, longínquo e curioso, fui na geografia do meu chamanculo criando países de sonho. Não havia outra sonda mais íntima que a enciclopédia e a página internacional do jornal Noticias e da revista tempo para aperfeiçoar o conhecimento destes desconhecidos lugares, noticiados como países. Assim como no amor, não amei-os com a mesma intensidade que caracterizam os lugares-mulheres do sonho. Os países inesperadamente foram criando alianças e jogos de curiosidade, numa altura onde a minha percepção do mundo, girava a volta do mercado de Xipamanine.
Não havia outro armazém de sonhos tão perfeito como o sinfónico mercado, com suas bancas historicamente desorganizadas pelo preço do repolho e do carapau. Eram tempos bons, pelo menos as classes sociais estavam no diálogo constante na construção de homem novo: ou carapau ou repolho ou nada. O orgulho do homem novo estava nessa sinfónica forma, de inventar novos sabores repolhados se não carapawados.
E neste namoro com leituras sobre os outros, descobri quatro países. Assim eram denominados, países. E não lugares ou bairro, como o meu chamanculo. Como na história a descoberta é descrita com ideias de cisne romântico, onde os lugares descobertos só existem porque alguém devolveu-lhes acções performativas para ser mundo. Por isso neguei a ideia de países sem lugares ou bairros. Que países eram esses, que a sua vida não se perscruta no buraco de madeirazinco, no fazer amor ruidoso no bocadinho da noite, na inocente vida de cantar quase nu na lua esbelta, na conversa de símbolo metafórico das mulheres na fontenária, no miliciano organizador de curiosidade no círculo do bairro para ver a televisão do primeiro mundo, nos passos nocturnos do amante esquecido, no exército de crianças que correm como um rio perseguidas por uma bola de trapos. Que paises eram esses, noticiados sem lugares biblicos. Perguntava a bussola mente, curiosa.
E porque não há noticias de um pais com lugares fortuna como chamanculo. Resolvi, influenciado por diálogos e recortes de jornais, escolher a Tanzânia, a Rússia, o Kenya e Portugal, para fazedores do mundo estranho e estrangeiro. Quando surgia uma notícia destes países, os lugares construíam-se desgarradamente como anexos de um Chamanculo que multiplicava-se no pêndulo que beliscava nossas escolhas caseiras entre o repolho ou carapau.
A cada Jornal atirado na rua, renascia a construção da narrativa descoberta. Não eram só as palavras que continham significados, ou as fotos repetidas que acompanham pequenas notícias sobre estes escolhidos países. Existia como em qualquer outra narrativa, um narrador. Homem, como as personagens que falam destes lugares. Tão masculino, o narrador, que tudo era uma narração ancorada no pensamento plástico, de reciclar minha curiosidade. Na minha caminhada, com silenciosos olhos, perseguia a cada trapo de jornal, como quem persegue o ultimo voo de uma pomba desmamada. Assim aprendi a cumplicidade do vento, neguei enfrentar sua destreza, memorizando a hora do seu repouso ou da sua ira. A minha sorte esta no vento e não no narrador jornalista que não percebe que a cada noticia dos escolhidos países, chamanculo multiplicava-se. Muitos anos passaram, o vento enamorou-se. Não mais soprou sua ira. Troquei a corrida por uma caminhada mais cintilante, de um namorado desprevenido. Porque já conhecia cada canto dos caminhos magros, resolvi perseguir os vestígios da minha passagem pelos caminhos apressados de chamanculo. Já não eram os pequenos sinais de uma passagem apressada que questionavam a minha colecção de lugares, destes estrangeiros países, mas como estes países e suas gentes viajaram dentro mim, nos caminhos multiplicados pelo vento. A velhice tinha chegado, coleccionada em cada recorte pregado na parede do quarto. As rugas eram o sinal de um livro polémico. Existe um chamanculo nestes países, mal retratado na fotografia repetitiva, de uma notícia incompleta sobre os lugares de madeirazinco. O livro na velhice não produz lugares. o editor comentou, na recusa de publica-lo. Não era a velhice que importava nos lugares por mim explorados. Mas a culpa de deus, por ter criado lugares distantes sem pelo menos explica-los da sua origem chamanculiana. Estes países são o rastilho de um zinco, quebrado e levado para longe, para construir outros sabores menos repolhados e carapawados. O velho disse e morreu. E morri.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

os habitantes da cidade 2

Ia Basta – retractos do sonho!

A nhamundwa mathe

O que se pode pintar no rosto de um homem? A vida.
Quando não mais podemos chorar, falar, sorrir, resta-nos o que no homem sempre habitou, a arte, o pedaço que não foge ao olhar e ao silêncio.

A pintura empresta ao homem a palavra muda mas certa para dizer Já Basta., porque “a arte é eternamente livre” escreveu kandinsky.
Já Basta! mostra que a pintura deve ser livre, servir os homens. Retractar a exuberância da alegria, da miséria. da tristeza , da beleza, dos números, do sonho.
Mas é no sonho que reside esta pintura. No sonho do rosto que deve-se retractar, emprestar-se às fantasias do real, e medir na tela a liberdade do mundo.
A cada traço percorre-se o limite do interior , a sensoriedade do dialogo entre o sonho e o real. E ai reside o homem do rosto, que lhe faltam olhos para contemplar-se a si próprio.
Muitas vezes negamos a liberdade da pintura, talvez porque ela se retracta com retratos, e não com rostos. Nhamundwa, perscruta a vontade da liberdade, que ‘e mais que um retracto, onde o sonho se exorciza e Nhamundwa excede-lhe o sentido.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

la famba bicha 17

Primeiro desculpar-me pela prolongada ausencia no blog, o trabalho de campo rouba muito tempo. E continuo em trabalho de campo. Prontos, acho que comecei com manias de desculpas, aprendi do pais. Neste exercicio trabalho de campo, somos muitas vezes surpreendidos a reflectir sobre os pontos adiados no debate do blog. Um desses pontos tem haver com o discurso identitario, estetico, e sociologico sobre as manifestacoes musicais - nao digo culturais porque preciso reflectir.
Este discurso obriga-nos a reflectir sobre os espacos de negociacao de identidade ou da estetica. A identidade e a estetica tem uma relacao de producao de cultura, resultado de espacos nao neutros de socializacao e suas instituicoes. A critica social e o desabafo resulta desta aprendizagem nao neutra de interagir com a identidade e a estetica.
esta pequena introducao vem a proposito de uma pequena reflexao que pretendo fazer sobre a exigencia da critica social versus desabafo, onde o desabafo nao é um exercicio menos consciente na relacao que temos com a identidade e a estetica nas nossas relacoes com o mundo social e politico.