segunda-feira, dezembro 17, 2007

a vida sem mais 1

ouripota, vera gomane e patricio langa (o silencio que fala)
Um país conhece-se na imaginação que temos dele. A sua geografia é explorada no passeio longo que nossa curiosidade experimenta, no diálogo com os livros, lugares, noticias, contos e alguns desencontros humanos. Estes passeios são tão profundos como o primeiro passeio com uma mulher. Somos estrangeiros da nossa própria vida. E não é a beldade que nos inquieta mas a desorganizada manifestação que nossos sentidos tomam. A bússola que desconhece o bocadinho que já é amor.
Na imaginação do país perfeito, longínquo e curioso, fui na geografia do meu chamanculo criando países de sonho. Não havia outra sonda mais íntima que a enciclopédia e a página internacional do jornal Noticias e da revista tempo para aperfeiçoar o conhecimento destes desconhecidos lugares, noticiados como países. Assim como no amor, não amei-os com a mesma intensidade que caracterizam os lugares-mulheres do sonho. Os países inesperadamente foram criando alianças e jogos de curiosidade, numa altura onde a minha percepção do mundo, girava a volta do mercado de Xipamanine.
Não havia outro armazém de sonhos tão perfeito como o sinfónico mercado, com suas bancas historicamente desorganizadas pelo preço do repolho e do carapau. Eram tempos bons, pelo menos as classes sociais estavam no diálogo constante na construção de homem novo: ou carapau ou repolho ou nada. O orgulho do homem novo estava nessa sinfónica forma, de inventar novos sabores repolhados se não carapawados.
E neste namoro com leituras sobre os outros, descobri quatro países. Assim eram denominados, países. E não lugares ou bairro, como o meu chamanculo. Como na história a descoberta é descrita com ideias de cisne romântico, onde os lugares descobertos só existem porque alguém devolveu-lhes acções performativas para ser mundo. Por isso neguei a ideia de países sem lugares ou bairros. Que países eram esses, que a sua vida não se perscruta no buraco de madeirazinco, no fazer amor ruidoso no bocadinho da noite, na inocente vida de cantar quase nu na lua esbelta, na conversa de símbolo metafórico das mulheres na fontenária, no miliciano organizador de curiosidade no círculo do bairro para ver a televisão do primeiro mundo, nos passos nocturnos do amante esquecido, no exército de crianças que correm como um rio perseguidas por uma bola de trapos. Que paises eram esses, noticiados sem lugares biblicos. Perguntava a bussola mente, curiosa.
E porque não há noticias de um pais com lugares fortuna como chamanculo. Resolvi, influenciado por diálogos e recortes de jornais, escolher a Tanzânia, a Rússia, o Kenya e Portugal, para fazedores do mundo estranho e estrangeiro. Quando surgia uma notícia destes países, os lugares construíam-se desgarradamente como anexos de um Chamanculo que multiplicava-se no pêndulo que beliscava nossas escolhas caseiras entre o repolho ou carapau.
A cada Jornal atirado na rua, renascia a construção da narrativa descoberta. Não eram só as palavras que continham significados, ou as fotos repetidas que acompanham pequenas notícias sobre estes escolhidos países. Existia como em qualquer outra narrativa, um narrador. Homem, como as personagens que falam destes lugares. Tão masculino, o narrador, que tudo era uma narração ancorada no pensamento plástico, de reciclar minha curiosidade. Na minha caminhada, com silenciosos olhos, perseguia a cada trapo de jornal, como quem persegue o ultimo voo de uma pomba desmamada. Assim aprendi a cumplicidade do vento, neguei enfrentar sua destreza, memorizando a hora do seu repouso ou da sua ira. A minha sorte esta no vento e não no narrador jornalista que não percebe que a cada noticia dos escolhidos países, chamanculo multiplicava-se. Muitos anos passaram, o vento enamorou-se. Não mais soprou sua ira. Troquei a corrida por uma caminhada mais cintilante, de um namorado desprevenido. Porque já conhecia cada canto dos caminhos magros, resolvi perseguir os vestígios da minha passagem pelos caminhos apressados de chamanculo. Já não eram os pequenos sinais de uma passagem apressada que questionavam a minha colecção de lugares, destes estrangeiros países, mas como estes países e suas gentes viajaram dentro mim, nos caminhos multiplicados pelo vento. A velhice tinha chegado, coleccionada em cada recorte pregado na parede do quarto. As rugas eram o sinal de um livro polémico. Existe um chamanculo nestes países, mal retratado na fotografia repetitiva, de uma notícia incompleta sobre os lugares de madeirazinco. O livro na velhice não produz lugares. o editor comentou, na recusa de publica-lo. Não era a velhice que importava nos lugares por mim explorados. Mas a culpa de deus, por ter criado lugares distantes sem pelo menos explica-los da sua origem chamanculiana. Estes países são o rastilho de um zinco, quebrado e levado para longe, para construir outros sabores menos repolhados e carapawados. O velho disse e morreu. E morri.

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