quarta-feira, fevereiro 27, 2008

a vida sem mais 3


Apresento neste espaço de coragem dois textos que pude ler na página do jornal noticias reservada a opinião/cartas de leitores, os textos correspondem a contextos diferentes e apelam a diferentes destinatarios. O que chamou-me atenção nestes dois textos é o apelo a cultura juridica e a purificacao, fugindo ao apelo emocional que tem caracterizado a maioria das intervenções sobre o cidadão indignado.


terça-feira, fevereiro 26, 2008

(des)mamar um pais 1

O sociólogo e bloguista Elísio Macamo faz uma incursão de tirar o fôlego, pela brilhante disposição de ideias sobre o que ele pensa dos desafios de Moçambique em relação a indústria desenvolvimento. Em muitos círculos este é um assunto polémico, não por causa da sua complexidade, mas devidos a vários entendimentos do mesmo. Elísio Macamo numa das suas dissertações escreve que a corrupção transformou-se “num instrumento de trivialisação da nossa política, mas também numa cortina que não nos permite ver os problemas sérios que a dependência do auxílio externo está a criar no nosso seio”. Um argumento polémico, não pela ênfase temático, mas pelo chamamento que faz a nossa reflexão.

Este argumento revela-se polémico quando somos obrigados a “inspeccionar” as nossas crenças e os vários discursos sobre a agenda de desenvolvimento para Moçambique. Mas ouvi como sempre nos vários foruns que estamos perante um momento de coragem do Elísio em desafiar nossas crenças e achei problemático o entendimento que temos de homens corajosos. Acredito em alguns atributos da coragem, mas o facto de que ate para reflectirmos sobre o nosso eu-individuo como primeiro exercício de cidadania, precisamos buscar “coragem”, revela-se problematico. Que poço é esse que só oferta agua para alguns previlegiados?

Ao reflectir sobre a ideia/entendimento do desenvolvimento, que só é valida quando pode devolver aos moçambicanos um pensamento reflexivo sobre as suas opções politicas e sociais, Elísio devolve a “bola” para um debate interessante sobre os limites e os contornos da liberdade. A liberdade no caso dos Moçambicanos, no meu entendimento, seria o entendimento de que existem coisas possíveis, no âmbito político, social, económico e cultural. Onde as coisas possíveis devem estar ligadas ao pensamento de que temos que ser capaz de fazer a nossa própria historia.

Fazer a nossa própria historia, não significa um desligamento com “o mundo de boa vontade” e o sentido regulador que as relações com o mundo impõem na nossa existência como sociedade e como pais. Significaria devolver a autonomia política e moral aos moçambicanos de modo a definirem os critérios e o entendimento que temos do desenvolvimento e do rumo que queremos dar a nossa história. Aqui acredito que os atributos da coragem não são suficientes, precisamos de desenvolver uma cultura crítica instrumental que permite identificar ou preservar espaços no nosso sistema político para a articulação de interesses e que permite fundamentar uma concepção comum de desenvolvimento sem intervenção de uma concepção exterior ou superior ao raciocínio dos cidadãos envolvidos.

E porque tudo é uma questão de coragem vou deixar aqui ficar nesta rubrica a minha pequena coragem.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

the social fabric e uma andonrinha 2


“em quantas partes se vive um grito
Em quantos corações se parte uma terra
Em quantos olhos se come o sol
E em quantos pães se mata um sonho?”1.

Parece que a nossa vida de homens pacíficos mudou. Não sei quem foi que disse que nossa indignação para com a injustiça, a incerteza, a incompreensão, o obvio, o medo, a mudança, o crescimento, a pobreza, a riqueza, a tirania, a democracia, o beijo, o linchamento, nunca existiu. E quem tem a memória mais lúcida, vai explicar-nos sobre tempos pacíficos e menos violentos da nossa história, onde o realismo de um passado menos documentado e violento pode casamentar com nossas paixões inquestionáveis para com a paz e a moda de santos apertadores de cinto. O mundo mudou, e como obvio mudou a nossa percepção de homens fazedores de história.

Quem não se da conta disso, esta condenado no drama de um mundo real que não permite estar perto daquilo que pode confiar: o governo, a família, o estado e suas instituições. O estado está mais para uma instituição telenovelada, ele institucionaliza-se em personagens coreografadas num mundo de apelos a emoção e afecto que não encontramos no sofá ou na esteira da nossa casa. Por vezes reforça o realismo com encenações de apelo ao louvor, a celebração de conquistas, como se a sua existência fosse suficientemente inquestionável, afinal ser cidadão é universal, ser pobre também. A desigualdade é isso, legitima a existência do estado, onde o governo existe como aquele que esta para contar uma mesma história, segundo duas perspectiva separadas: nós e o povo.

Não é pessimismo. Não há lugar para isso. Porque ser pessimista num pais onde todos têm respostas? Fazer sugestões pode ser fatal, morres com uma bala de borracha requintada de chumbo. A resposta já a encontras: devolver a indignação, ate ao último minuto, para aqueles que tem esse direito, de recolher nossas indignações e estuda-las como o geólogo que na pedra não se apaixona, só no murro que não se humaniza. De que adianta procurar respostas num pais que não permite sugestões?

Mas a resposta encontrada não satisfaz. Afinal qual das duas perspectivas da mesma historia permite devolver a indignação onde ela sempre pertenceu? A indignação sempre pertenceu aos homens, o mundanismo retirou-nos isso, porque a sugestão de que todos podemos indignar-nos pareceu-lhes caricata. As manifestações resultam dessa indignação, com a nossa postura de negar sugestões “Em quantas partes?”

1 Excertos do poema “Em quantas partes?” de José Craveirinha - Colectanea breve de literatura Mocambicana, edicao Identidades, Porto, 2000

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

The social fabric e uma andorinha 1



Durante muito tempo coleccionei uma data de coisas semi-úteis na minha vida de emigrante. Apesar de nunca considerar-me um emigrante, porque ser estrangeiro faz parte da vida. Emigrar nao doí, faz da nossa vida um pequeno filme de incomensurável respeito. Quando rebusco a infância, existem lugares e pessoas que auto-ficcionam, uma moldura de coisas passadas. A beleza esta ai, no pequeno mundo de memórias, que no fim do dia, enamora-se no mundo que emigra constantemente em nós.

Mas será que isso basta? Pormenor importante esse de reconhecer os limites do que consideramos excelente. Redondamente podemos dizer que somos homens de um pais redondo, porque como emigrantes giramos ao ritmo de uma bola, impressionados pela larga presença de terra, prazer, lugares, e uma atracão por cultivar coisas praticáveis e ou apenas que fascinam. E será que isso basta?

Não sei onde buscar palavras de sol e chuva. Sim afinal, tudo que no sol brilha na chuva molha. Não é um verso, mas um pequeno pormenor de um emigrante. O sol não é sinónimo de calor, mas de uma energia feminina, representa o que é colorido, pseudo-seduzido, e simbolicamente sensual e ingénuo. Como emigrante tenho esse direito, de feminizar a vida.
A chuva, surge como a nossa primeira conversa com o mundo. Chove como ideias de um pensamento discreto. Uma chuva liricamente livre, assim posso caracterizar essa vontade de sair molhado. Quando todos correm a procura de abrigo, o emigrante deixa-se pingar, molhar sua ténue vontade de ser sempre o menos significativo, para os que da chuva abrigam-se.

E as pequenas coisas úteis de um emigrante surgem como vocábulos de uma língua que menos amamos. Aprende-se a amar aos bocados, mil coisas de uma vez só, porque o prazer e o instinto aprumam-se. Como um telescópio que procura e perscruta um cometa desarmado, substancialmente livre de um universo de segredo humano e outro divino. Então ser estrangeiro é isso, nunca um emigrante, porque o mundo é redondo. A terra emigra, nós ficamos em sentido como guardiões de um universo poético, mal amado, mas resistente numa memória de criança que auto-ficciona-se, como um adulto prenhe de saudades.

Mas será que isso basta?

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

a vida sem mais 2


Segundo um dos jornais Fax da praça, o conselho municipal veio anunciar que 2 empresas privadas (portuguesa e sul africana) ganharam o concurso para a recolha do lixo no municipio de Maputo. Finalmente, vamos ter uma cidade limpa e cheirosa. Só que até agora ninguêm quer disponilizar os números envolvidos nesta operação. Os numeros dizem muito e como dizem. E neste municipio de Maputo, ha gente que gosta de brincar com os números.
foto de Ouri pota
o sociologo elisio macamo no seu blog postou alguns textos que tocam a questao da corrupcao e o desenvolvimento do nosso pais. E porque andava ocupado com as minhas ferias e pesquisas, nao pude participar activamente no debate. Prometo voltar a este assunto, na tese de que os problemas de desenvolvimento em mocambique resultam muito mais da fraca capacidade interna de formular melhor o nosso proprio entendimento sobre o desenvolvimento. O ataque a industria de desenvolvimento tornou-se um mero exercicio interno para negar a nossa responsabilidade nacional para com os problemas sociais e economicos.
Deixo aqui uma referencia ao artigo do jornalista J. Langa sobre o estado generoso.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

os habitantes da cidade 9


- Comadre! Viste o que aconteceu?
- Não vi, diz lá comadre o que aconteceu!
- As crianças, comadres. Essas nossas crianças, não tem juízo comadre?
- O que aconteceu comadre que já estou a ficar nervosa?
- Elas estão a manifestar contra o governo?
- Jura!
- Sim, comadre!
- Qual governo? O nosso governo?
- Sim, o nosso!
- Eish! Já não há respeito, comadre! Nada, juro!
- Sim, não há mesmo respeito, damos de comer e beber comadre, e ainda manifestam!
- E logo contra o governo, o nosso governo comadre!
- O nosso governo comadre, não merece isso!
- Mas eram crianças de quem? As mães devem ser chamadas atenção.
- Eram crianças do povo! Comadre, as mães nem estavam lá.
- Estavam aonde?
- Comadre afinal não sabe? Elas também, estão a manifestar
- Jura?
- Sim comadre! Elas, as crianças e o povo.
- Então já não há respeito! até as crianças e o povo?
- Por isso comadre! Por isso!
- Coitado do governo!
-...eish comadre...governo só!
- Ta a ver a tua filha comadre ai na rua a manifestar, contra o governo?
- Nada! juro...minha filha? A Nyeleti? Essa tem juízo comadre.
- A minha Joana também, tem juízo, nunca chumbou...
- E a Nyelete comadre! sempre dispensa.
-...hm
- Ah sim, saiu ao pai...o Alberto tem juízo, apercebi-me disso logo que ele ia ser alguêm quando ainda namoravamos...
- E não falhaste comadre, hoje ele é ministro, e até fica-lhe bem aquele cargo...
- Fica-lhe bem...mas comadre governar aqui neste paĺs, nao é fácil...
- Mas comadre o que interessa mesmo é que estão bem...
- Ah isso não tenho razões de queixa...E o teu João comadre, pensa mesmo que ali na oposição vai ter cargo? Com aquela gente ali?
- Comadre tu conheces o João, ele quando mete uma coisa na cabeça ninguem lhe desvia...sabes como são as pessoas do sul comadre.
- Mas comadre, afinal você não tem força? Pensas que Alberto é ministro hoje porque?
- Comadre pensas que não tentei? Tentei toda minha vida, cansei-me, até o burro cansa-se de puxar a carga...
- Mas somos mulheres ou não comadre!? As criancas podem manifestar mas nós mulheres lutamos comadre, por tudo: familia, filhos, marido, por tudo comadre.
- E pensas comadre que não lutei!? Sou a única em casa que luta por este governo, as crianças manifestaram-se, o pai também, eu fui a única que vim logo que pude, para avisar a comadre...
- Avisar o que comadre!?
- Para a comadre não mandar tirar os chapas da garragem para a rua, senão vão ser queimados e apedrejados pelas crianças...comadre!
- vocé é mesmo amiga comadre...pena que o compadre João e Alberto não se entendam.
- Muita pena comadre!
- Hm...

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

la famba bicha 27 - manifestacoes em maputo

Caros bloguistas e leitores, voltei. As férias foram curtas, tive que encurta-las devido as manifestações/protesto popular contra o aumento do preço do chapa 100. Não podia manter-me tão longe dos meus leitores e colegas da blogsfera. E o regresso não tem nenhuma intenção de "simbolizar" uma solidariedade do "povo no poder" com os meus passageiros. O lucro não tem dessas coisas. Na vida de pequeno empresário, podemos "ter" uma responsabilidade social, mas só ao nível do imposto. Pago com respeito à contribuição que a sociedade tem para com a minha vida de cidadão e a dos meus. Então, a minha responsabilidade social, com a obrigatoriedade do imposto, faço-a com responsabilidade de quem acredita nas suas limitações para ser "Deus" dos outros.

Na minha pequena introdução, devem ter percebido que não sou um qualquer: sou pequeno empresário. Não tenho uma frota de autocarros de luxo, mas tenho chapa 100. Tem lugares multi-funcionais, uns " sentam-se de pé", outros "sentam-se sentados", tudo depende da tolerância que cada passageiro tem para com os “buracos da vida” e a escassez de transportes urbano. Ser empresário é isso, dar a cada cliente um "prazer" diferente com o mesmo produto, acho que o produto e a marca chapa 100 sustentam-se com isso. Aprendi esses "truques" com a 2M, uns bebem com prazer de rico outros bebem-na com prazer de pobre, mas todos somos aliciados pelo " orgulho nacional a nossa maneira", produzida ali no Infulene rodeada de hortas "embelezando" a revolução verde na cintura de Maputo.

A vida do pequeno empresário funciona com "truques" que aprendemos de grandes empresários. O "truque" que dificilmente consigo apreender tem a ver com o "truque" dos impostos e isenções fiscais. O grande empresário diz que ele representa grandes investimentos, por isso não precisa de sindicatos e confederações de interesse "popular" ou empresarial, tudo ele negocia com o governo, directamente. Quando precisa de isenções fiscais tem uma audiência imediata com o governo, quando alguma negociação complica-se rebusca a palavra mágica: investimento estrangeiro. Logo marca-se uma outra audiência, imediatamente as vezes com direito a debriefing no conselho de ministros. Passado dias, o grande empresário é inaugurado com sirenes e combustível, que devido ao seu estatuto de investimento estrangeiro por três anos não vai pagar a totalidade dos impostos para custear as despesas da sirene e combustível do "chefe" que foi lá inaugurar o investimento. Este truque do grande empresário ainda não deu para aprender.

Quando o pequeno empresário tenta “entender” junto do governo como "funciona" o truque dos impostos e isenções fiscais, somos encaminhados para reunir em confederações empresariais. E Quando o pequeno empresário "pede" audiência com o governo, chamam-no encontro tripartido, porque o governo exige a presença do sindicato de trabalhadores em representação de "passageiros" que viajam connosco sem nenhuma identificação: de operários, camponês, estudantes, idosos, desempregados, domésticas, funcionários públicos, carteiristas, trabalhadores do informal, empregados comercial e industrial. E o encontro revela que o pequeno empresário deve “entender” que imposto paga-se, sem isenções, e o preço do chapa 100 só é legítimo se o sindicato aprovar. Então aprendemos que existem truques que ultrapassam nossas capacidades de pequenos empresários.

Por isso inventamos nossos "truques", do pequeno empresário. Afinal, " a nossa maneira" somos pequenos empresários. O “truque” ate aqui parece eficiente: encurtamos rotas, “negociamos” com o policia de transito e camarária e não com o sindicato, marcamos audiência na hora do almoço no estrela ou museu com o funcionário da reparticao fiscal, "tapamos" os ouvidos da nossa consciência pesada com musica alta, inventamos "nossas zonas " francas para investimento na rota, resolvemos ser governo e decidimos quando e onde o passageiro tem "isenção" de 2.500 meticais no seu investimento “estrangeiro” da renda em casa.

A vida do pequeno empresário, tem “truques” de responsabilidade social, Como puderam ver. Afinal descobrimos que “podemos ser deus” na terra e no céu. Alguém duvidou disso? Somos o novo evangelho, “o rebanho” saiu a rua todo em nome da fé, do bem-estar. Não foi em nome do desespero como alguns tentam demonstrar, o ritual da “religião” da fome não permite isso. Jejuamos, todos os dias, em nome de impostos. E chapa 100 é isso, uma “religião” de truques, que produz o social e chapacentea qualquer cidadão que negue esta responsabilidade que temos para com a sociedade.

E como pequeno empresário, amanha poderei escrever sobre os “subsídios” que pretendem transformar-nos em mensageiros “ de um divino futuro” para os citadinos de Maputo. Aguardem. Sou pequeno empresário.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

la famba bicha 26 - manifestacoes em maputo

Prezado Chará*

Estou de férias e vou reflectindo sobre as manifestações "num estilo" preguiça, lendo aquilo que não me rouba tempo e aquilo que durante a jornada de trabalho não leio. Por isso o meu primeiro comentário foi muito no sentido de "apadrinhar" a reflexão do Fanhana. O problema do pensamento “via rápida” está na forma ousada de apresentarmos "o final" das coisas e não "o processo" das coisas. Concordo consigo que parti para uma reflexão conclusiva, errei e devia ter começado de outra forma: pelas perguntas, que conduzem-nos a entender o processo.
Chará gozando, por causa das férias, não vou poder reflectir nas perguntas, com o método necessário, mas não poderia deixar de levantar aqui alguns pontos:

1- Existe aqui uma crise de (re) adaptação, que resulta de contradições interpretativas "do espaço e tempo" no processo de transferência da "visão e organização social" dos moçambicanos, do meio rural para o meio urbano, da aldeia para a cidade, da relação com o vizinho para a relação com repartição pública, de um sistema produtivo e de solidariedade familiar para um sistema produtivo anónimo e individualista, etc. Parece-me que ignorar os fenómenos de transição ou os espaços de negociação pode resultar em conflito identitário, na aceitação da ideia do futuro.

2- Dentro do espaço “identitário moçambicano" de ponto de vista de desenvolvimento social e económico, como identificar a ideia do progresso e ou da modernidade. Estes dois conceitos nunca chegaram a definir uma "coisa" concreta em muitas sociedades, nós aqui deste lado do "sul do hemisfério" foi nos apresentado o que seria transformar as nossas massas populares agrárias para o nível de uma "indústria progressiva". Como se faz isso? Quem faz isso? A ideia do progresso e ou da modernidade parece que ainda não foi melhor formulada dentro da nossa sociedade.

3- A ideia do progresso e ou de modernidade requer uma “visita critica” às nossas certezas e crenças. Problematizar as coisas, a nossa cultura, organização social, a ideia do "espaço moçambicano", sistema político, as nossas ideologias, a nossa capacidade técnica, vontade, gostos,...

4 - Parece-me que por um lado, Moçambique soube usar a "vontade" como uma condição primária para o progresso. Tivemos esta forma “brilhante” de apresentar aos outros este nosso "capital de vontade" e em troca recebemos técnicas, estratégias, políticas, fórmulas,...sem nenhum questionamento crítico. A questão da integração regional revela essa cultura de "capitalizar a vontade".

5 - O que “isto” tem haver com as manifestações? Não sei!. Penso que Moçambique tem muitos problemas, teve no passado e tem-nos agora. Tal como a vontade de ontem e a vontade de hoje. De que temos problemas todos concordamos, agora se esses problemas estão melhor identificados e formulados, parece que todos temos "a vontade" de dizer que sim. Quer a "vontade" e os problemas atingiram um ponto crítico, exacerbados pela problemática maneira como "capitalizamo-los" sem os problematizar.

6 - A incapacidade de resolver os problemas, mesmo com tanta vontade que temos, reside na razão de que os moçambicanos, de todas as classes sociais, tem falta de conhecimento e capacidade para compreender as causas e produzir soluções para os problemas sociais. Chará, tento há vários anos encontrar nos vários relatórios produzidos sobre as causas da pobreza em Moçambique, um denominador comum. Nada, não há consenso sobre a prioridade dos nossos problemas. A prioridade "fabrica-se" de acordo com a tabela da "vontade" e da disposição daqueles que nos "ajudam".

7- E parece-me que os critérios para identificar a prioridade dos problemas do país, esta inserido no contexto das transições do espaço e tempo, referidos no primeiro ponto. Temos uma dificuldade enorme, em distinguir problemas pessoais de problemas sociais. Encontrar uma linha divisória entre estes dois "mundos" só pode ser possível se desenvolvermos um pensamento critico. Encontrar a linha divisória destes dois mundos ajuda-nos a encontrar a fotografia do país, reflectir Moçambique. E não deve ser difícil encontrar na nossa sociedade problemas pessoais que tentamos transformá-los em problemas sociais de todo Moçambique, em todas classes sociais.

8 – Chará já me alonguei, e para terminar vou pegar nas manifestações em Maputo. O chapa100 tem muita "arrogância": encurta rotas sem prévio aviso, não respeita a lotação de passageiros, corta prioridade, não aceita nenhum conselho do passageiro, não respeita sinal de trânsito, música alta até onde viajam pessoas doentes, etc. Para mim isto caracteriza um arrogante, ele só existe porque os interesses dele existem. Mas esta arrogância "existe" numa estrutura político-administrativa que tolera isso. O chapa100 simboliza "um poder autoritário". O outro ponto que precisamos reflectir tem haver com os símbolos da modernidade e do progresso: em muitas zonas periféricas de Maputo, o chapa100 faz esta ligação entre a "periferia de tudo" e o "centro de tudo", entre o velho e o moderno, entre os que tem e os que não tem, entre os problemas pessoais e os problemas sociais de Maputo, entre o mundo abstracto (vontade) e o mundo concreto (realização). Existem bairros onde não existe polícia, posto médico, escola, água potável, etc. Mas lá passa o chapa100. Existem bairros onde as vias parecem intransitáveis mas lá passa o chapa100.

9 – Chará, para mim estas manifestações obrigam-me a fazer mais perguntas. Só que não fiquei assustado com as manifestações, mas sim com reacções, nos vários blogues e fóruns na internet. As reacções revelam uma apetência profunda em "capitalizar vontades" sem problematizar mais os nossos problemas. O preço do petróleo e do trigo subiu no mercado, e vai continuar a subir. Tal como amanha vai subir o preço do arroz, do papel, do ferro, da água, da madeira, do algodão, da electricidade, etc. Os países mais desenvolvidos tem um "sistema de almofadas", que minimiza o impacto social, porque eles tem instrumentos fiscais e monetários a dispor, e uma reserva económica robusta. Moçambique é um pais pobre, com uma elite politica-empresarial tecnicamente mal preparada, com políticas e estratégias macroeconómicas dependentes do "bem intencionado" parceiro internacional. Tudo isto parece complicado Chará, e deve ser muito complicado mesmo. Há muitas décadas atrás uns achavam que a esta altura estaríamos a viver o progresso e a modernidade na sua plenitude no mundo. enganaram-se? Não sei.

Entao chará, qual é a sua ideia?
* Jorge Nguele, em relacao ao debate sobre manifestacoes no mocambiqueonline.