quinta-feira, janeiro 25, 2007

pivo.rum.zensky.nic.nepises.

Cena I



O tempo. Hoje faz frio. Uma bengala atirada no meio da Estrada. Imagino que representa uma morte. Um velho atropelado. Uma morte corrida. Sem adeus. Faz frio.

Um vento ameno. Rua silenciosa. Um cao que ladra. E uma bengala. De Madeira. De pau preto. Assim comeca um dia de fevereiro, quando todas as manhas tenho que percorrer as ruas de Ostrava. Sou o prisioneiro da pressa, do carro electrico, que nunca atrasa. Aqui atrasam os homens e nao o relogio. A nossa paciencia esta como uma ventrina que vai pelos electricos e a raiva de que perdemos a corrida, o relogio da electricidade.

A bengala. Nao se move. É de madeira. velha. Pau preto. De homem branco. Imagino.Toda gente corre e a bengala fica. Na morte de quem a deixou. Aqui os homens nao gostam da vida de outros. Sao civilizados. Dizem. Porque saber da vida dos outros se temos a televisao do big brother. Murmuram. E os meus ombros desesperados caiem. Desfarcados na bengála de pau preto.

- Tens horas

Pergunta a senhora.

- Hum

(Respiro. O vento passa. A saia espreita. Tem pernas.Tem rugas. Esta cansada).

- Nao sei. Deve ser um quarto para as oito.

( Sou miope. o pulso para o peito. Um gesto mecanico, o osso da mao estica, um estalo, doi)

- Este velho deve ter morrido?

( Murmurio. A voz é tremula.) Caramba do frio.

A senhora olha. O silencio cruza com o carro que passa. Assim ficamos. Com o silencio. mais uma vez o vento levanta a saia.

- Morreu?

( Olha para o ceu. Fungando) As nuvens sao sempre as mesmas . Vao sempre para o norte. Nao ha mar.( nao ha maresia) Nao ha andorinhas para anunciar a chuva. O ceu é sempre cinzento. o azul so existe nos olhos da senhora.

- A bengala esta viva.

As maos vao para o bolso. As chaves beliscam. O tempo passa com a cumplicidade das nuvens que vao para norte. ( a senhora olha, procura a bengala, arranja a saia. É transparente. Posso ver a perna gorda. O joelho cansado. Deve doer tratar uma perna assim. Deve ser uma perna de muita viagem. Tem rugas profundas, parecem escritas a lapis, interminaveis entre o joelho e a anca)

- Se andam a procura dele nao deve ter morrido.

Olha-me, busca cumplicidade. A saia irrita a mao que segura. Contorna o vento. Finjo que acompanho as nuvens. ( a bengala deve ser de um conhecido). A cumplicidade da morte tem dessas coisas. Queria ser o vento que levanta a saia (Penso).

- Mas ele nao pode andar sem bengala. Nao chega a lado nenhum.

Murmurio. O vento sopra, assobia baixinho. O electrico pára. Falta um gesto para abrir-se a porta. ( como posso abandonar a bengala?).



Cena II



O ceu esta cinzento. Chove de quando em vez, quando a vez chega ate chove demais. Mas essa vez foi so uma vez. E tivemos cheias, todo o pais parecia uma praia sem ondas, muita agua, nao salgada. Tambem dessa vez a chuva trouxe luto. Para tudo. Os passaros estavam de preto.

Hoje o ceu esta mais perto do tecto. Pela primeira vez o ceu tem limite.



- Mas ele parece saudavel.

( Resolveu beliscar-me. Tem unhas pintadas. Um pouco afiadas. Vermelhas)

- Pode andar?

( tossir um pouco para domesticar a dor. Beliscou-me. Mulher ousada)

- Eles andam toda a cidade.

Como pode ela estar tao certa. ( a idade tem certezas. Tem cinquenta anos. Entre a blusa e os seios esta a idade. A idade do mamilo. Esta fresco. Uma pera. Parece. Um pera grande.Doce. Branca.Uma pera dentro de uma blusa)

- A bengala é velha. De pau preto. Morreu sem levar a bengala

Olhou-me. Irritada levou a mao ao peito. Apalpou as mamas. Olhou-me.( podia ver que uma mulher irrita-se com a morte. Uma morte com mulher nao combina)

- Porque queres falar da bengala?

Ameacou-me. Recuei. Sempre gostei de sapatos leves. Amarelos. A cor sempre conta nesta coisa de andar pela rua. Nao faz sentido ter sapatos pretos. Numa cidade cinzenta.

- Acho que nao queria morrer sem bengala

( Pensei rapido) Uma morte tem que ter acompanhantes. Uma supersticao. Um segredo para coisas da morte. Morrer é uma corrida. É preciso levar um presente na morte.Ajuda na corrida. ( arranja a saia. A mao desliza. A ruga separa o baton. Os seios continuam trepados)

- O senhor nao vai apanhar o electrico?

(Perguntou). O electrico continua parado. Esperando o relogio. A hora vale pelos seus segundos. Pelo ponteiro que visualiza o painel do condutor electrico. ( ela desvia o olhar. Parece pensativa. Adulta por uns momentos). A bolsa escorrega. Tropeca na anca. (rapido a mao segura).

- vou apanhar a bengala.

A saia. Uma estore. (penso). O frio assobia, estica a pele.



III



In amor de zinco ( texto que nega terminar, os bares de ostrava nao deixaram) , de jorgematine

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