quarta-feira, março 28, 2007

poema 358


Uma varanda. Pequena. Com 2 vasos de jasmin. Nada mais. O idoso era meu amigo. Sentavamos, no por do sol, para passearmos a mente e a disputa dos livros que lemos durante o dia. Nem todos os dias o velho queria falar. Nao era necessario. Murmurava na jarra que regava as flores. Como a varanda era um espaco pequeno, eramos amigos encostados e carentes de qualquer dialogo.

Hoje faz 5 anos. O velho deixou de falar. A ultima palavra foi para pedir que leve o vaso de jasmin comigo. Neguei. Nao tinha tempo para tamanho sacrificio de cuidar de plantas e rega-las 3 vezes por dia. Nao contestou, eramos amigos. Aprendemos ao longo dos anos a dizer nao, era a nossa maneira de contrariar o mundo passivo que rodeiava nossa vida. E o velho assim devagarinho abracou-me, fiquei estatico e confuso. Afinal estes anos todos nunca nos abracamos. Podiamos rir e tocar o ombro do outro para chamar atencao sobre o poema que nao sabiamos declamar. O abraco foi forte, como um arrame que enrola um presente perdido. Perguntei porque do abraco. Encolheu os ombros e riu-se, o velho nao ria muito. Durante anos resolvi procurar na ruga e na barba escura algum sorriso. Tarefa dificil, nao havia dentes para contar, havia uma pequena ruga que atravessava o labio inferior. Quando a leitura era boa, a ruga desaparecia do labio. O unico sinal sorridente que aprendi a apreciar.

Cincos anos passaram tao rapido, mas hoje o dia esta lento. O vellho nao mais pode andar. A cegueira veio tao rapida como o sol que deita rapido. Estes dia leio sozinho, contemplo solitario o por do sol. Ao meu lado o velho estica-se, mexe a barba e a cinza que cai do cigarro russo que fumamos. A unica coisa que partilhamos da nossa ultima viajem a russia, perseguiamos a biografia do Neruda e Tolstoi. Na russia aprendemos que temos que fumar forte para ler.muitos anos passaram e a biografia acabou esquecida, a viajem faziamos todos os dias na enciclopedia russa e na revista Pravda. Para alem do sol, da lua, e passaros, no quinto andar somos os ultimos vizinhos, num edificio para pensionistas do exercito.

O velho de nome Armando foi um combatente, de uma companhia de artilharia. Nunca atirou, era comissario politico. Aprendeu a escrever a maquina e a ler sobre a revolucao no exercito. Segredeu-me que escreveu muito sobre a poesia de combate, era a unica poesia que nao passava pela censura. Nunca publicou. Nao havia tempo. A guerra e educacao politica do militar era importante. Segredou-me zangado. Hoje recebeu a carta do hospital militar, so pode receber tratamento se for internado. Nunca disse o velho. E escrevi nunca na carta respondendo ao medico. para Armando a morte no hospital nao tem sentido. com a velhice nao se luta, escreveu no poema 358.

sábado, março 24, 2007

no meu pais o paiol namora o calor, e no amor saiem faiscas

a morte. é uma perda. a vida que nos deixa. nao segreda. é menos vaidosa que a vida que nasce. na morte, somos pequenos homens esquecidos pela vida. alguem decidiu que devia ser assim. e inventou o luto. o preto. o caixao. a lagrima. para de nos cobrar o que nao somos capazes de entender na morte. uma paiolada de corpos.
a vida anuncia-se. uma pronuncia da barriga que engravida. do nome que nos dao. do sexo que deus escolhe.
a morte aparece. no estilhaco que nao avisa. na corrida que rouba o destino. na crianca perdida. no panico que nao tem coordenadas. o sul ou norte na morte nao interessa. interessa que a morte nao escolhemos. escolhem os outros. um deus humano. deus que tem patencia, salario, passaporte diplomatico, guarda-costas, e nome.
no meu pais a morte ginga. anda impune. inventa circus. e nao é palhaco.

sexta-feira, março 09, 2007

e tu borboleta, betinha.

eu estou assim enjoado. de uma gravida. de pensar. e saudades. essas coisas engravidam. brincas? os filhos tardam chegar, estao no prolongamento da gravida. tem essa mania de mostrar umbigo a toda gente. manias que deves ter percebido, na tua gravidez. nao é?
poeta. esse nem fala. a gravida tem ciumes. nao deixa falar. escrever. pode cocar-se. uma inocencia de uma vida dupla. a lingua e o prazer. vou preferir uma encubadora.
falando a verdade nao é medo de brincar papa e mama. a idade pesa. nao so a gravidez. um peso desqualificavel e pretencioso. assim como a brincadeira que me propoes. imagina que vou te ngungular. ja imaginaste? cara-a-cara? melhor nao falar. depois vao dizer que na poesia nao se faz asneira. suca voces.
hoje estou velho. por causa da capulana que amarrei. uma barriga tem vicios. uma capulana para embelezar a barriga que desfeia. que fazer? melhor gingar na inocencia. fingir e amarrar rugas. nao basta esfregar musila na cara, tambem temos que esfregar na barriga. ela se tornou nosso cartao de visita. nao foi assim contigo?
entao a velhice é nosso destino, como a minha barriga. nao questiona, nao nasce. vive assim quieta, mastigando minha juventude que nao mais posso aproveitar. com essas coisas nao vale-pena lutar. contra tua propria barriga? teu cartao de visitas? nao.

existe o poeta. no seu silencio. vai te acarinhar. escutar os pontapes do africaninho. fingir que ama na tua desfeia barriga. alguns dias vai-te escrever versos, para te inspirar que teus seios nao mais vao envelhecer. escrever-te que o leite que gota, é mel, prazer que nunca esgota. afinal o poeta nada mais sabe do que escrever aquilo que no sexo nao se explica. nao foi assim contigo?
é esse amor pelas coisas. na barriga que é redonda e empurra. assim como o sol que nos faz acordar, sem avisar. o galo canta alto como o pontape que o africaninho experimenta na parede da minha barriga. se ele soubesse da parede que nao é. imagino que xutava para dormir seu pe toda vida. afinal doutro lado da parede, nao ha umbigo que alimenta. o poeta? esse é tao txonado como a poesia. escreve bonito e le bonito, mas faz pouco para viver ate outro dia. o poeta é como uma borboleta. vive um dia. colorido, gingao, marrabenteiro, mas nao a vida para outro sol.
e tu? minha borboleta.

terça-feira, março 06, 2007

retractos do sonho

Ia Basta – retractos do sonho!

A nhamundwa mathe


O que se pode pintar no rosto de um homem? A vida.
Quando não mais podemos chorar, falar, sorrir, resta-nos o que no homem sempre habitou, a arte, o pedaço que não foge ao olhar e ao silêncio.

A pintura empresta ao homem a palavra muda mas certa para dizer Já Basta., porque “a arte é eternamente livre” escreveu kandinsky.
Já Basta! mostra que a pintura deve ser livre, servir os homens. Retractar a exuberância da alegria, da miséria. da tristeza , da beleza, dos números, do sonho.
Mas é no sonho que reside esta pintura. No sonho do rosto que deve-se retractar, emprestar-se às fantasias do real, e medir na tela a liberdade do mundo.
A cada traço percorre-se o limite do interior , a sensoriedade do dialogo entre o sonho e o real. E ai reside o homem do rosto, que lhe faltam olhos para contemplar-se a si próprio.
Muitas vezes negamos a liberdade da pintura, talvez porque ela se retracta com retratos, e não com rostos. Nhamundwa, perscruta a vontade da liberdade, que ‘e mais que um retracto, onde o sonho se exorciza e Nhamundwa excede-lhe o sentido.